Silver
Cidade de Violet, Johto
Terça-feira, 3 de maio
A batalha de ginásio havia sido fácil. Sneasel havia levado dois dos Pokémon de Falkner com um golpe de Gelo super-efetivo, mas ele também dava um pouco de crédito à Chikorita por envenenar os adversários e Wooper por ter feito o trabalho de Sneasel mais fácil com seu Water Gun. A sessão de treinos nos últimos quatro dias havia sido de bastante utilidade, ele havia gostado bastante do resultado.
— Devo elogiá-lo — dissera Falkner, o líder do ginásio — A maioria dos desafiantes não é tão rápido assim para encerrar uma batalha, principalmente sua primeira batalha.
O líder de cabelos azuis pegou algo metálico e entregou a Dante, era uma insígnia. A primeira de oito, ele olhou com certo fascínio. A insígnia lembrava um par de asas, bem pensado para um ginásio do tipo Voador.
— Bem, se aceita uma sugestão para onde seguir, recomendo o ginásio de Azalea mais ao sul — recomenda Falkner — É um ginásio do tipo Inseto, sou amigo do irmão do atual líder, eu não o subestimaria só por usar Pokémon Insetos, haha.
— In-inseto?!? — Dante engoliu em seco, uma gota de suor frio escorreu pela nuca, ele segurou firme a insígnia enquanto sentia um pinicar fantasma na pele.
— Descansem agora — diz o líder de ginásio — Aproveitem sua estadia na cidade, acho que ainda há muito o que se fazer por aqui antes de prosseguir.
— Pode deixar — comenta Tomoki colocando uma mão em um dos ombros de Dante que saiu de seu breve devaneio — Vamos para o Centro Pokémon agora.
— Melhor irmos mesmo — disse seu gêmeo, os cabelos azuis quase na mesma tonalidade dos de Falkner, chegava a ser assombroso —Vamos Silver.
— V-vamos — ele gaguejou.
O trio saiu das dependências do ginásio e foi caminhando pelas ruas de paralelepípedo de Violet. As casas com seus telhados violáceos, as flores fragrantes e a proeminente Torre Brotinho tornavam a paisagem primaveril mais bucólica, nem parecia que Violet era uma cidade três a quatro vezes maior que a pacata New Bark de onde tinham vindo.
A tríade havia pousado o balão que haviam pego emprestado sem pedir da Equipe Rocket nas cercanias da Rota 31, em meio às árvores e arbustos e registrado no Centro Pokémon local, ficando em quartos separados. Estavam na cidade fazia quatro dias e desde que chegaram não tinham descansado um segundo sequer. Silver por que tinha a sua batalha de ginásio e os gêmeos porque ainda estavam procurando pistas de onde o seu irmão caçula poderia ter sido levado, o cansaço era visível no rosto dos três.
— A primeira insígnia — comenta Tomoki olhando o distintivo prateado com o formato de um par de asas — Nunca pensei que ver uma batalha de ginásio seria tão empolgante, você faz tudo parecer tão fácil.
— Tsk, fácil foi pouco — diz Dante um tanto convencido.
— Também você ficou treinando o resto da semana todo, quase nem descansou — comenta o outro gêmeo, que dava um petisco para seu Vulpix — Se a gente não chamasse você para comer ou para dormir você teria caído exausto no chão.
— Vocês também não estão com um rosto legal também — ele tirou sarro. — Todos nós estamos com mais olheiras que um Drowzee com insônia.
Eles riram juntos.
— Pretende sair da cidade em breve? — indaga Tomoki para o ruivo — Falkner disse que o próximo ginásio é do tipo…
— Inseto, eu sei — ele a corta. — Não estou com tanta pressa assim, podemos aproveitar a cidade, sabe? E Azalea é muito longe, tipo, é lá no sul, seria uma semana inteira de viagem.
— Mas agora nós temos um balão de ar quente — acrescenta Kousei que caminhava ao lado de Dante — Cortaria o tempo de viagem para uns três dias por aí.
Parecia inútil discutir com eles. Dante não queria sair de Violet agora, ele não queria ir para Azalea e enfrentar um ginásio cheio de… cheio de Insetos. Ugh! Ele não queria lidar com aquilo agora, deixaria para o Dante do futuro, embora o ele do futuro também não quisesse ver um inseto na sua frente nem por um quintilhão de ienes.
— Bem, por agora podemos descansar — ele disse — Talvez aproveitar a cidade igual Falkner falou não seja de todo ruim, passear e curtir um pouco. Ainda é terça, temos uma semana inteira pela frente.
— A gente então vai sair esse fim de semana? — indaga Tomoki com o seu Igglybuff nos braços.
— Não é a intenção, mas não queriam investigar o lugar onde o irmão de vocês desapareceu? — pergunta o ruivo, tentando mudar o assunto — Foi aqui nesta cidade que vocês disseram que pararam quando fugiram de seus sequestradores, talvez haja pistas.
Os gêmeos ficaram apreensivos, o de cabelos cerúleos olhou cabisbaixo e mordeu o lábio inferior enquanto sua irmã apenas virou o rosto evitando encarar Dante. Eles muitas vezes evitavam fazer contato visual com ele, a linguagem corporal de ambos mostrava-se um tanto rija como uma tábua de madeira, eles pareciam desconfortáveis, como se o tópico do irmão caçula ainda fosse uma ferida aberta ainda se curando e Dante tinha puxado o band-aid forte demais.
Dante às vezes se perguntava como seria ter irmãos mais novos ou mais velhos que ele. Ele tinha sido filho único durante toda a sua vida, pelo menos era o que ele sabia sobre si mesmo, ele não sabia se seu pai tinha outros filhos de seus casos com alguma secretária muito mais jovem e bonita que sua mãe nem nada, mas ele também não tentava não pensar muito nisso, era estranho imaginar isso.
— Desculpa, falei merda — ele suspira.
— Não, não é isso — diz a irmã, passando uma das mãos no cabelo colocando uma mecha atrás da orelha — É que… Já faz uma semana que… que nosso irmão foi levado e não sabemos o que pode ter acontecido com ele.
— Estamos preocupados com ele — o semblante de Kousei exibia uma evidente preocupação. — Eu me pergunto se ele já comeu ou se o Sr. Moon Moon está com ele, se as pessoas que o levaram não estão torturando ele ou…
— Sr. Moon Moon? — ele arqueou uma das sobrancelhas.
— O Teddiursa de pelúcia dele — responde Tomoki, um tanto cabisbaixa — Ele já tem doze anos, mas ainda dorme com um bichinho de pelúcia. É bobo, meio infantil, mas… mas… Ai, eu daria tudo só para ver aquele Teddiursa surrado de novo.
— Eu sei que estão preocupados, mas ficar aqui se martirizando não vai ajudar, a gente pode começar as buscas por pistas e bem, a gente também pode parar e comer algo, dar um rolê pela cidade enquanto isso. Ficar só pensando no pior não vai fazer bem para a mente de vocês.
— É, você tem razão — fala Tomoki — Ainda são nove e pouca da manhã, como sua batalha foi rápida a gente pode dar uma passada no Centro Pokémon e deixar seus Pokémon se recuperando e comer algo na cantina.
— Na cantina, tem certeza? — Kousei faz uma cara feia — Ainda tô com o gosto horrível daquele nattō na boca, a gente não pode comer em outro lugar não?
Os outros dois riram, o garoto de cabelos cerúleos estirava a língua para fora com a lembrança da soja fermentada que comeram com arroz no café da manhã no Centro Pokémon. Bem, Dante não reclamava, o cheiro podia ser horrível, mas o gosto não era de todo ruim e bem, qualquer coisa era melhor que a gororoba que serviam no refeitório do quartel-general da Equipe Rocket, ele ainda desconfiava que a comida feita ali era uma forma de torturar os recrutas em-treinamento e os de baixo escalão já que o alto escalão, os administradores e executivos só comiam coisas boas. Só de pensar a sua boca já salivava.
— Bem, quem que vai pagar? — perguntou Dante — Eu não tenho um tostão no bolso.
Ele esvaziou os bolsos da calça jeans, ele realmente não tinha um iene consigo.
— Não podemos usar nossos cartões de crédito, não é? — pergunta Tomoki.
— Nope — nega ele — Estariam entregando aos seus sequestradores onde estão. Aliás, o quão ricos vocês são?
Os gêmeos arregalaram os olhos, Kousei engoliu em seco.
— Papai é… E-ele… — Tomoki começou a gaguejar, como da primeira vez que se conheceram quando quase deu seu nome verdadeiro ao invés de um nome falso. Ela não era do tipo que lidava bem com pressão.
Seu irmão intercedeu por ela.
— Nossa família é bem antiga — ele disse, não dando a informação por inteiro — Mamãe é filha de um político de renome. Papai, bem, ele vive do dinheiro do governo.
— Okay… Aristocracia, certo? — conclui Dante.
— P-por aí — gagueja Tomoki.
Pensar que ainda existia uma velha aristocracia vivendo por aí do estipêndio do governo e que os gêmeos eram parte disso era tão alienígena a Dante que ele nem conseguia conceber o quão louco era estar andando com gente cuja família tinha dinheiro o suficiente para comprar e vender o império do crime que seu pai construiu ao longo dos anos num estalo de dedos. Talvez houvesse razões para que tentassem sequestrar os gêmeos e o irmão caçula deles, mas não que ele concordasse com os feitores do crime, mas ninguém tentaria fazer algo assim sem que houvesse grandes consequências.
— Bem, não espere que eu os trate de forma diferente, por isso, okay? — ele diz colocando as mãos enluvadas nos bolsos da jaqueta de motoqueiro — Agora venham, temos que ir para o Centro Pokémon, se lembram?
Lyra
Eles haviam se despedido de Joey e de Mr. Pokémon no começo da manhã e haviam chegado a Violet bem na hora do almoço. Os quatro haviam registrado-se no Centro Pokémon, mas parecia que tinham pego os últimos quartos restantes e com pessoas totalmente aleatórias, só Pierce e Luca tiveram sorte de ficarem juntos e dividirem um quarto.
— Bem, por que não colocamos as coisas em nossos quartos e depois nos encontramos aqui no saguão? — sugere Pierce — Eu tenho que ir me registrar para a Batalha da Fronteira.
— E eu para o ginásio de Violet — completa Lyra.
— Bem, temos muita coisas a fazermos em Violet — diz Ren com as suas muitas bolsas nos ombros, Lyra se questionava se ele não estava com as costas doendo — Soube que há uma torre onde monges treinam aqui.
— Ugh, quem quer ver monges? — comenta Luca — Tanta coisa legal numa cidade e você quer ver monges?
— Foi só uma sugestão — ele deu de ombros — … É o nosso primeiro dia em uma cidade nova, poderíamos turistar, ver o que tem a oferecer.
— Ele não está errado — diz Lyra — Estamos com muito tempo ainda, podemos ir ao ginásio primeiro e depois a sei-lá-onde é a instalação da Batalha da Fronteira e depois podemos bater perna por aí.
— É… Não é como se fôssemos a outro lugar tão cedo — Pierce disse evasivo — Bem, vamos aos nossos quartos e vamos nos encontrar aqui em quinze minutos. Combinado?
Ren fez um joinha com a mão e Lyra assentiu com a cabeça e o quarteto tomou caminhos diferentes, Lyra pegou a escadaria para a esquerda onde daria o dormitório feminino, nada muito diferente do que era em Cherrygrove. Ela se perguntava com quem iria dividir o quarto, se seria alguém legal como Kara.
O seu quarto era o de número 27, não tinha sido difícil de encontrá-lo, ficava de frente para as máquinas de vendas e do corredor que levava à lavanderia onde uma placa de todo o tamanho com os dizeres “PROCURA-SE FUNCIONÁRIOS TEMPORÁRIOS EM MEIO-PERÍODO” em letras escarlates e berrantes.
Ela bateu na porta antes de entrar, apenas para verificar se havia alguém ali. A maçaneta se virou e quem a atendeu foi uma garota da sua idade, mas relativamente baixa, seus cabelos eram negros como tinta de caneta e a pele era pálida, ela parecia a princesa de um conto de fadas infantil na companhia de seu Igglybuff que estava flutuando perto de seu ombro, até a cor de seus olhos parecia contribuir para este fator: dourados como moedas de ouro de um tesouro de pirata envolta em um halo.
Nenhuma fotografia faria jus aos olhos e ao rosto daquela menina.
— O-oi? — disse timidamente.
— Eu sou Lyra, sou a garota que estarei dividindo o quarto — ela se apresentou.
— Ah… O-oi, eu sou Ma-... Não — ela apertou firme as unhas contra as palmas da mão, como se tivesse dito algo errado. — Meu nome é Tomoki. Harada Tomoki, é um prazer te conhecer. Pode entrar.
O quarto era relativamente maior que o do Centro em Cherrygrove. Não tinha beliches, mas uma plataforma elevada onde ficavam os futon, o guarda-roupa era mais espaçoso, além de ter uma cômoda e uma penteadeira próxima à janela onde um computador coletivo repousava. Uma grande televisão LCD de 42’’ ocupava uma das paredes onde um dorama passava e em outro canto era possível ver um mini-bar e um forno microondas, além de um pequeno armário e uma porta que levava a um banheiro, era um mini-micro apartamento como um daqueles que ela via em vlogs de viagem pelo interior em hospedarias e hostels para treinadores. Daria uma fotografia perfeita e mais uma página detalhada no diário.
— Uau — disse, boquiaberta e impressionada com a dimensão do quarto, nem mesmo seu quarto em New Bark era grande e luxuoso assim, ela iria se sentir mal acostumada — Que quarto enorme. Dá para ver toda Violet daqui da janela.
— É uma cidade bonita — comenta Tomoki — Meu irmão e meu… meu amigo chegamos esses dias.
— Que legal — diz Lyra colocando sua mochila em um gancho no guarda-roupa — Eu estou viajando com três amigos que fiz em Cherrygrove. Quero desafiar o ginásio da cidade, sabe? — ela passou os dedos no brinco em formato de estrela na orelha esquerda, lembrando-se de quando saíra de casa — E você? O que faz na cidade?
— Eu… Hã, eu estou procurando por… — ela mordeu o lábio, parecia nervosa e tensa — Não. Não. Eu estou com esse meu amigo, Silver, ele está desafiando os ginásios também. Eu e meu irmão estamos acompanhando-o, ele é um gênio nato da batalha, derrotou o líder sem perder um Pokémon sequer.
— Vou querer conhecer seu amigo Silver depois então — ela disse com certa empolgação no seu tom de voz, ela não conhecia muitas pessoas que estavam competindo pelos ginásios de Johto, talvez seria legal ter um rival novo além de fazer mais amigos — Agora eu tenho que encontrar meus amigos, podemos conversar depois. Desculpa sair assim de repente.
— Não, não, eu também estou saindo, eu combinei de sair com meu irmão e meu amigo — ela disse dando um ligeiro e pequeno sorriso — Podemos conversar depois, não precisa se preocupar.
Ela não queria ter sido ligeira com a menina que acabara de conhecer, mas ela não queria perder tempo, a empolgação de estar em uma nova cidade a invadia, era uma sensação alienígena e ao mesmo tempo confortável, ela estava se permitindo ter novas experiências, mas ao mesmo tempo ela tinha aquele pequeno receio de que tudo aquilo era bom demais para ser verdade.
Não. Ela não podia se permitir ter aqueles pensamentos. Ela afastou qualquer sensação negativa respirando fundo e lembrando que seus Pokémon estavam por conta da Enfermeira Joy e seus amigos estavam esperando-a no saguão.
Violet era uma cidade nova, ela poderia fazer mil e uma coisas enquanto estivesse ali, ela não poderia se abater com algo que havia acontecido no passado.
Depois que ela tinha saído do quarto ela descera os lances de escadas que levavam ao primeiro andar já que ela não tinha muita coragem de pegar o elevador, com sua polaroid presa pela corda no pescoço e o PokéGear no bolso ela olhava seus arredores vendo os diferentes treinadores ali no Centro Pokémon de Violet enquanto guiava-se em direção do balcão no final do saguão.
Em um balcão, uma mulher de cabelos róseos em um vestido rosado com um avental atendia a treinadores com ajuda de dois Pokémon redondos e gorduchos, um róseo e coberto em penugem e carregando um ovo em seu marsúpio e o outro azul e oblongo com olhos cerrados e uma boca serrilhada marcada por um contorno avermelhado semelhante a batom, ambos usando quepes de enfermeira. Eram uma Blissey e uma Wobbuffet.
— Conseguiu se acomodar, querida? — a mulher de cabelos róseos, a enfermeira, a perguntou — Vi que zarpou como um Jolteon para o andar de cima para os dormitórios.
— Consegui sim — ela diz em resposta — É que eu estou um pouco empolgada. Queria ver como estão meus Pokémon.
— Treinadora de primeira viagem, suponho — ri a enfermeira, carinhosa — Bem, se acalme, meu amorzinho, seu Totodile e sua Dunsparce estão bem, os Pokémon de seus amigos também, eles precisavam só uma checagem rápida, está tudo em ordem com eles.
A Wobbuffet da enfermeira entregou uma bandeja com as cinco Pokébolas, sendo duas dela, duas de Pierce e uma de Ren e depois bateu continência abrindo sua boca serrilhada, chegava a ser engraçado a expressão do Pokémon azulado.
— Pretende desafiar o ginásio de Violet, não é? — pergunta a enfermeira e Lyra assente com a cabeça. — Bem, temos um espaço para treinos no subsolo e campos de batalha nos fundos, é só me chamar que posso reservar para você e seus amigos para treinar.
— Obrigado, enfermeira Joy — ela fez uma breve reverência.
— Que nada, querida — diz a mulher — Tenha uma boa estada em Violet. No que eu puder ajudar você é só me procurar.
— Lyra! — alguém a chamou, era Luca, carregando a sua incubadora. — Estamos aqui!
Ela avistou os meninos ao longe, os três aguardando por ela próximo à porta. Ela foi na direção deles, eles já estavam prontos para sair, tinham muito o que fazer em Violet apenas naquele começo de tarde.
Os quatro saíram pelas ruas da cidade violácea, andando pelas ruas de paralelepípedos. Lyra havia tirado algumas fotografias com sua polaroid, eles pararam num parque onde alguns artistas de rua faziam performances, depois seguiram até ruas mais acima até chegar próximo a um grande lago, dali dava para ver uma floresta de carvalhos e zimbros que cercavam uma pagoda de seis andares numa ilhota que se ligava ao resto da cidade por uma ponte.
De acordo com o mapa no aplicativo do PokéGear ali era onde ficava o ginásio da cidade de Violet, mas ela não avistava-o em lugar nenhum, a menos que…
Seu estômago roncou. Eles ainda não tinham comido nada desde que haviam chegado à cidade, deveriam ter feito isso antes de tudo, mas estavam com tanta pressa para registrarem-se que haviam esquecido de algo bem trivial.
— Deveríamos parar para comer primeiro — diz Ren — Podemos ir a um konbini, deve ter um aqui perto.
— Poxa, mas almoçar comida de konbini é meio foda, hein — retruca Pierce — A gente precisa comer comida de verdade, não algo industrializado.
— Acho que já sei bem o lugar — corta Lyra olhando para o longe, vendo a fachada do que parecia ser um restaurante — Por que não paramos para comermos ali? Se juntarmos nosso dinheiro, podemos dividir e pagar uma refeição para nós quatro e nossos Pokémon.
— Bem, eu não tenho tanto dinheiro assim — disse Pierce — O vovô deu um pouco a mim e ao Luca antes de sairmos, mas queríamos economizar.
— Acho que se juntar o dinheiro que nós dois temos juntos vamos ficar sem dinheiro para as provisões quando formos sair de Violet — complementa Luca.
— Também não tenho tanto dinheiro assim — diz Lyra — Eu gastei muito em Cherrygrove, não sei se meu pai vai me mandar dinheiro tão cedo. E você, Ren. Você tem dinheiro?
— Bem… eu tenho… — ele diz olhando cabisbaixo — Mas é o dinheiro para as próximas semanas, eu… a minha mãe não vai me mandar mais dinheiro. Ela não vai me mandar mais nada, eu… ela me colocou para fora de casa praticamente.
— A Mismagius Má do Oeste fez o quê?! — Pierce olhou incrédulo.
— Por que ela fez isso? — pergunta Lyra, também assustada.
— Sua mãe tem um parafuso a menos, por acaso? — até Luca não acreditava no que o amigo dizia.
— Por que eu escolhi sair em jornada — ele respondeu, de maneira simples — Por que eu não estou fazendo o que ela quer. É o jeito de ela me punir.
— Que cretina — disse Lyra — Você só mora com a sua mãe? Seu pai não pode fazer nada?
Ren mordeu o canto do lábio.
— Os pais do Ren são divorciados — explicou Pierce.
—Minha mãe proibiu ele de se aproximar de mim — ele continuou — Os advogados dela são convincentes. Só vejo meu pai tipo, duas vezes ao ano: no meu aniversário e no natal.
— Puta merda — xingou Lyra — Sua mãe realmente é uma bruxa.
— Bem-vinda à minha vida — ele disse — Mas não precisam ter pena de mim, a minha mãe deu oitenta mil ienes, isso para ela não é nada, é troco de bala e eu não sou gastão, dá para sobreviver por algumas semanas.
— Mas nós podemos conseguir mais — disse Pierce — Podemos conseguir mais grana e gerenciar nossas despesas, eu sei que há alguns empregos temporários para treinadores.
— Vi algo assim no Centro Pokémon — diz Lyra — Podemos preencher as vagas.
— Isso não seria trabalho infantil? — indaga Luca.
Todos ficaram calados.
— Somos quatro menores de idade desacompanhados — disse Ren — Viajando pelo país. Isso sim deveria ser ilegal.
— Ele tem razão — diz Pierce — Agora venham, vamos comer, depois temos que ir ao ginásio para a Lyra se registrar.
— E você tem que se registrar na Batalha da Fronteira — acrescenta Lyra.
— Então vamos logo comer — diz Luca — O último a chegar paga a conta.
E o mais novo dos quatro correu na frente, Ren foi em seguida, Lyra logo atrás deixando Pierce para alcançá-los em protestos.
Minoru
Cidade de Olivine, Johto
Quarta-feira, 4 de maio
Minoru estava mais uma vez na varanda, olhando para o mar. Os Wingull grasnavam ao longe, planando sobre a superfície acinzentada e pontilhada pelos barcos pesqueiros. No horizonte, ele conseguia distinguir a silhueta nebulosa das Ilhas Redemoinhos, quase se misturando com a linha difusa entre céu e água.
O som monótono das ondas e o cheiro salgado do oceano traziam-lhe uma melancolia inexplicável. A casa de veraneio em Olivine, apesar de imponente, parecia sufocante sem seus irmãos. Estar sozinho ali era como viver em uma jaula, e não uma das grandes, mas uma apertada, onde cada canto parecia reprimir um pouco mais de sua energia.
Ele suspirou, esfregando os olhos. Seus pais estavam longe, presos em Kanto pelos intermináveis protocolos de luto imperial após a morte de seu tio-avô, o Imperador Kamino. E seus irmãos… onde estavam? Fazia uma semana desde que os vira pela última vez, em um desembarque apressado perto de Cherrygrove.
— Sempre eles primeiro — murmurou para si mesmo, uma pontada de amargura em sua voz.
A nova governanta, Yanagi-sama, não lhe permitia sair da propriedade. Nem o píer, nem a praia estavam ao alcance de suas mãos. Ele estava restrito à casa de veraneio, não podia fazer nada, só olhar o mar e brincar com o Sr. Moon Moon no seu quarto. Ele odiava estar sozinho naquele casarão enorme. Preferia estar em Galar com os seus irmãos naquela cidade chuvosa que era Wyndon do que ficar vendo os Wingull da janela de seu quarto.
— É para a sua segurança, jovem príncipe — dissera Yanagi-sama, sua voz rígida e sem emoção nenhuma.
A frase parecia ecoar em sua cabeça, acompanhada pela imagem de Yanagi-sama: uma figura esguia e severa, com cabelos cortados rente às bochechas e olhos cinzentos que pareciam ver através de tudo e de todos. Havia algo perturbador na mulher, e não era apenas sua cicatriz — uma linha grotesca que cruzava sua testa de um lado ao outro, ainda aparentando ser recente. Era o jeito como ela nunca parecia realmente relaxar, como se sempre soubesse algo que os outros não sabiam.
E, claro, seus Pokémon não ajudavam. Um Parasect enorme costumava acompanhá-la, suas pinças movendo-se em um ritmo quase hipnótico. Quando não era ele, o Hypno intimidante vagava pela propriedade nas horas mais escuras. Minoru havia desistido de qualquer tentativa de explorar a casa à noite, receoso de esbarrar com o sinistro Pokémon no escuro.
Enquanto ele se perdia em pensamentos, Yanagi-sama apareceu de repente, como sempre fazia. Como uma espécie de aparição. Chegava até a arrepiar os pelos da nuca de Minoru.
— Jovem príncipe, alguém veio vê-lo.
Minoru se virou, surpreso. Não era comum receber visitantes ali. Atrás dela, surgiu uma mulher com um kimono florido, elegante e refinado, acompanhada por um belo Ninetales que caminhava com a graça de um dançarino. Havia algo nela que parecia simultaneamente encantador e levemente desconcertante.
— O-olá… — Minoru fez uma reverência apressada, incerto sobre como proceder.
— É um prazer conhecê-lo, jovem príncipe — disse a mulher, sua voz carregada de uma suavidade quase ensaiada. — Hinomoto Minoru. Nono na linha de sucessão imperial ao Grande Trono Hinomoto. Descendente direto de Hinomoto no Taiyou. Enfim, nos encontramos.
Ela avançou um passo, abaixando-se ligeiramente para tocar o rosto de Minoru com dedos frios como o mármore. Seus olhos, cinzentos como os de Yanagi-sama, o encararam com uma intensidade desconcertante.
— Eu esperava encontrar também seus irmãos, os gêmeos — disse ela, com um leve suspiro. — Mas parece que teremos de esperar para isso.
Minoru piscou, ainda tentando processar a presença daquela estranha.
— Quem é você?
— Me chamo Kisshou. — Ela sorriu de maneira controlada. — Sua nova tutora.
— Tutora?
— Creio que Yanagi-sama não mencionou nada — ela disse, lançando um olhar gelado para a governanta, que permanecia impassível ao fundo. — Vim para ensinar a você e seus irmãos as tradições e os costumes de sua linhagem.
Minoru franziu a testa.
— Por quê agora?
A mulher suspirou, abrindo uma mala que trazia consigo e colocando-a sobre a mesa próxima. Dentro, havia uma série de objetos: pergaminhos contendo pinturas antigas, algumas ele reconhecia da residência da família em Goldenrod e em Ecruteak, outras eram-lhe estranhas.
— E por que não agora, milorde? — ela devolveu-lhe a pergunta e sorriu. — A Era Kamino chegou ao fim. O velho imperador morreu e um novo deve ascender ao trono. Seu primo Hiroyuki irá iniciar um novo reinado sob Johto. Como primo direto dele, acredito que seria um momento apropriado para resgatarmos velhas tradições. Já ouviu falar sobre a sua ancestral, Hinomoto no Taiyou, que unificou as províncias de Johto?
Minoru desviou o olhar, entediado. Ele ouvira essa história incontáveis vezes, contada por babás ou pelos próprios pais, a mesma ladainha de sempre: a história de uma princesa e seus retentores que derrotaram um cara mau e unificaram Johto sob um único estandarte. Tudo muito chato.
— Sei que deve achar tudo isso tedioso, jovem príncipe — continuou ela, com um leve sorriso que parecia ler sua mente. — Mas não estou aqui para contar lendas. Estou aqui para oferecer-lhe um papel na história.
Ele piscou, curioso.
— Como assim?
— Eu sou a presidente de uma organização sem fundos lucrativos, poderia até chamar de uma organização filantrópica — ela começou. — Não deve ter ouvido falar. O nome é Takarabune S.A, somos uma sociedade anônima que busca preservar o patrimônio e o legado de nosso país, Johto. Nossa história. Afinal, muito foi perdido nas Guerras Fronteiriças há mais de trinta anos atrás e estamos em busca de, por meio de jovens como você, meu príncipe, restaurar o que é nosso por direito.
— E como você pretende fazer isso, Srta. Kisshou?
Ele franziu o cenho, intrigado e cético.
— Se lembra de eu ter falado de sua ancestral: Hinomoto no Taiyou? — ela indagou e Minoru apenas assentiu com a cabeça. — Se lembra como ela unificou as terras de Johto nas histórias antigas?
Ele acenou de novo com a cabeça. A história já havia sido contada tantas vezes para ele que àquela altura já estava gravada na sua cabeça.
— A princesa Taiyou se juntou a dois heróis, um abençoado por Ho-Oh e outro por Lugia — resumiu, brevemente. — E juntos, eles destronaram e derrotaram o senhor da guerra.
— Mas eles não fizeram isso sozinhos, não é? — indagou ela e ele balançou a cabeça.
— Tiveram ajuda, eles tinha um exérci…
— Não, meu queridinho, não é de um exército que eu estou falando — disse ela. — O que eles precisaram para derrotar o senhor da guerra?
Minoru passou a língua pelo interior da bochecha e tentou-se recordar.
— O herói dourado ele tinha uma espada… era uma katana?
— Uma tsurugi — corrigiu Srta. Kisshou. — Se lembra de como era essa espada? Qual era seu nome?
— Kumokiri-ken — ele disse, recordando-se. — A Cortadora de Nuvens.
— E quanto a sacerdotisa prateada, o que ela trazia consigo?
— Era uma jóia, uma pérola de coral. — ele se lembrou e a mulher concordou com a cabeça. — Shin’en Kara no Tsukika. O Luar Visto das Profundezas. Mas tipo, isso não são só mitos? O que eu vou fazer com isso, srta. Kisshou?
— Mitos são apenas verdades que escolhemos esquecer — ela disse. — Talvez não acredite em mim, pequeno príncipe, mas talvez você possa ajudar a minha organização, ajudar seu primo, ajudar Johto. Você está cansado de viver na sombra de seus irmãos, não é?
Ele corou e arregalou os olhos.
— Bem, enquanto eles não retornam — ela começou. — Que tal me ajudar? A Takarabune está a eras buscando pela espada e pela jóia. Talvez você, meu príncipe, possa ser a pessoa a nos ajudar a encontrar estas relíquias e trazer, do passado perdido de Johto, o seu legado e iniciar uma nova era. O que acha? Você seria prestigiado pelo seu primo e por sua família. Enfim sairia das sombras dos seus irmãos.
Ele mordeu o interior da bochecha e olhou para a Srta. Kisshou. Seus irmãos Tenma e Masako eram a maçã dos olhos da Agência Imperial, eles eram os favoritos de todos. Tenma era excelente em esgrima e kenjutsu, ele era bonito e popular entre as meninas, mesmo sendo introvertido, ele era hábil em dois outros idiomas que não o kanto-johtoniano, além de ser o segundo na linha de sucessão. Já Masako, ela era gentil, uma ás no tênis e em equitação, ela era delicada e graciosa, sua presença avivava os locais em que ela estava. Minoru sempre era deixado de lado em tudo.
A Srta. Kisshou estava dando a ele uma chance de se destacar. De sair das sombras dos seus irmãos mais velhos. Isso, isso seria bom. Ele poderia ser sua própria pessoa pela primeira vez.
— Vai querer nos ajudar, pequeno príncipe?
— Vou, vou sim.