Pierce Pierce mal conseguiu dormir aquela noite. Os remédios pareciam inúteis diante da energia que pulsava nele, era como se estivesse ligado na tomada. A manhã ainda estava fresca e suave, mas ele já estava de pé, vibrante e pronto para o desafio que o aguardava.
Cidade de Violet, Johto
Terça-feira, 10 de maio
Os amigos o acompanhavam em frente à Fábrica de Batalha, esperando Harper, o irmão de consideração de Lyra e kouhai de Ren. Tinham combinado de se encontrar ali às oito e meia para dar suporte ao amigo, mas a ansiedade fazia o tempo se arrastar. Parecia que já estavam ali há horas, quando apenas dez minutos tinham se passado.
— Como você conheceu o Harper? — perguntou Pierce, tentando distrair-se.
Lyra deu de ombros, com um sorriso no rosto.
— Ah, nem lembro direito… conheço ele desde que me entendo por gente. A tia dele, a Mimi, era muito amiga dos meus pais. Ele foi meu primeiro amigo, até antes do Ethan…
— Quem é Ethan mesmo? — Ren perguntou, curioso.
— Também lembro do Harper mencionar uma tal de Risa — comentou Luca, segurando o ovo de Pokémon que ainda estava longe de chocar. Ele sorriu malicioso. — Ela é sua amiga? Tá solteira?
Pierce riu e deu um beliscão no meio-irmão, que resmungou.
— Um dia apresento todos vocês aos meus amigos — Lyra respondeu, rindo. — Eles vão adorar conhecer vocês. O Ethan com certeza ia amar o teu skate, Luca. E acho que a Risa ia curtir a guitarra do Ren, sem contar que você e o Pierce têm uma banda… É uma pena que ela more tão longe, em Goldenrod, mas vamos pra lá em breve.
Ren observou Lyra, pensativo.
— Você me impressiona, Ly. Sempre achei que fosse tímida, mas parece bem à vontade perto da gente.
Ela coçou a nuca, dando um meio sorriso, e antes que pudesse responder, o som de rodas de carro ecoou pela estrada. Um táxi amarelo-e-azul vinha se aproximando da fábrica, e o grupo de amigos parou o que estava fazendo para observar o veículo parar bem diante deles.
Da porta traseira saiu um garoto de quatorze anos, alto e magro, parecendo quase leve o suficiente para ser levado pela brisa fresca da manhã. Harper vestia uma camisa turquesa estampada sobre um par de jeans ocre desgastados, o cabelo espetado balançava ao vento. Ele olhou para o grupo com um sorriso fácil e despreocupado, acenando animado.
— Ei, pessoal!
Lyra correu ao encontro de Harper, lançando-se em um abraço apertado que ele retribuiu com o mesmo entusiasmo. Os dois riram, e Harper deu um leve empurrão de brincadeira nos ombros dela, um gesto bobo, mas carinhoso.
— Ei, Lily! Faz muito tempo que não te vejo, hein? — disse ele, rindo. — Então, isso é sério? Você realmente venceu a primeira batalha de ginásio?
— Venci! — respondeu ela, o peito estufado de orgulho. — E queria que você estivesse lá pra ver.
— Ah, eu daria qualquer coisa pra ver você lutando ao vivo. Mas pelo menos estou aqui pra ver a batalha do teu amigo! — Harper olhou na direção de Pierce, que parecia dividir a excitação entre a presença de Harper e o desafio que o aguardava.
Os demais se aproximaram, e Harper acenou, cumprimentando cada um. Quando seu olhar curioso encontrou o de Pierce, o desafiante da Fronteira se viu encarando os olhos castanhos-avelã de Harper, rodeados por longos cílios. Eram olhos bonitos, e ele não conseguiu evitar um leve rubor.
— Ei, Pierce, certo? — Harper perguntou. — Como funciona esse lance da Batalha da Fronteira? Sou meio noob nessas coisas, passo tanto tempo estudando que mal acompanho a Liga ou os concursos.
Pierce piscou, voltando ao assunto e afastando o devaneio.
— O desafio da Fronteira tem cinco instalações: a Fábrica, a Roleta, o Castelo, a Torre e o Salão. Cada uma tem suas próprias regras e desafios — explicou ele. — Aqui na Fábrica de Batalha, por exemplo, eu não posso usar meus próprios Pokémon. Sou obrigado a usar Pokémon fornecidos pela Fábrica e preciso passar por quatorze provas, que podem ser batalhas ou testes com perguntas. Na décima-quinta prova, eu ganho o direito de desafiar o Chefe da Fábrica.
— E o que acontece se você vencer? — perguntou Harper, intrigado.
— Se eu vencer, recebo uma estampa comemorativa no meu Vs. Recorder — ele mostrou o aparelho, um tablet compacto de tela robusta na cor verde. — Mas se eu perder, preciso recomeçar o desafio todo.
Harper assentiu, absorvendo as explicações com entusiasmo.
— Pode deixar que vou torcer por você! Inclusive, trouxe isto aqui — disse ele, puxando da mochila um cartaz com os dizeres “VAI PIERCE!” em letras garrafais. O gesto fez Pierce sorrir, surpreso com o apoio daquele menino que mal o conhecia.
— É bom mesmo que você tenha alguém para te ver perder! — exclamou uma voz, interrompendo o grupo.
Aproximando-se com um Kadabra que a levitava, estava Mira. Seus cabelos cor-de-rosa flutuavam ao vento conforme ela e seu Pokémon psíquico deslizavam em direção à Fábrica.
— Que fique claro que hoje, quem vai vencer o desafio sou eu, Piercezinho! — provocou ela.
— Quem você tá chamando de “Piercezinho”, sua Pintora de Rodapé? — ele retrucou de imediato, estreitando os olhos.
A troca de provocações começou, e Harper olhava confuso. Lyra cutucou o amigo e explicou:
— Não liga pra esses dois. Eles estão assim desde que se conheceram.
— Ah, entendi. Então é isso que significa ter um rival — Harper assentiu. — E você, Lily, já tem um rival?
— Se você contar um esquisito de doze anos que parece ter saído de um fórum de internet e vive me desafiando com um Rattata, então sim… mas prefiro não considerar — suspirou Lyra.
— Nossa, o Joey? — disse Luca, lembrando-se do garoto e seu “Rattata top dos tops”. — Não o chamaria de rival de ninguém. Talvez de ameaça pública.
— Pierce e Mira, por outro lado… — comentou Ren, observando os dois se engalfinhando em xingamentos e provocações.
— Piores do que eu e ele brigando lá em casa — acrescentou o meio-irmão de Pierce, revirando os olhos ao ver a infantilidade da dupla.
— Ah é? Pois os Pokémon que eu vou usar vão vencer o Chefe da Fábrica, e depois eu acabo com você, seu Toquinho de Amarrar Ponyta! — disparou Pierce, cedendo à provocação.
— Tá bom, tá bom, chega vocês dois! — interveio Lyra, cruzando os braços. — Logo vai dar nove da manhã, e nenhum de vocês deu um passo sequer pra entrar na Fábrica!
Pierce e Mira se entreolharam, assentiram e dispararam pelo pátio da fábrica, serpenteando entre contêineres e máquinas pesadas, rumo à entrada secreta da Fábrica de Batalha. Os amigos seguiram um pouco atrás, tentando acompanhar o ritmo. Pierce e Mira praticamente disputavam uma corrida até o saguão, onde foram recebidos pela Fab-IA, a assistente virtual da Fábrica de Batalha. A figura holográfica aguardava-os, imóvel, com o rosto inexpressivo e os braços posicionados na frente do corpo.
— Pro valentibus, sic itur ad astra! Bem-vindos à Fábrica de Batalha, desafiantes Percival e Mirandina — anunciou Fab-IA, sua voz digital ecoando pelo espaço, do mesmo jeito mecânico de sempre. — Vocês chegaram com quarenta minutos e trinta e seis segundos de antecedência, então darei início ao desafio. Sigam-me.
Sem dar nenhum passo, Fab-IA flutuou suavemente em direção a uma porta de vidro que se abriu automaticamente. Mira e Pierce seguiram-na, ansiosos. Antes de cruzar a porta, Fab-IA girou a cabeça holográfica em 180º, voltando-se para os amigos de Pierce. Aquilo tinha sido sinistro.
— Aos acompanhantes dos desafiantes Percival e Mirandina, por gentileza, dirijam-se à sala de espectadores no piso inferior e acomodem-se confortavelmente — instruía Fab-IA. — Lá encontrarão múltiplas telas para acompanhar o progresso dos seus amigos. Haverá lanches e bebidas, uma cortesia do Chefe da Fábrica, Thornton.
Ren, Luca, Harper e Lyra trocaram olhares animados e seguiram a indicação da inteligência artificial, descendo uma escadaria até a sala de espectadores. Assim que chegaram, foram recebidos por um espaço moderno e aconchegante, com poltronas acolchoadas e um conjunto de telas holográficas que flutuavam mostrando diferentes partes da fábrica. Em um canto havia uma geladeira e outra Fab-IA, tão estática e robótica quanto a anterior que havia direcionado seus amigos para o desafio.
— Se acomodem enquanto o desafio está acontecendo — disse a inteligência artificial.
Pierce
Fábrica de Batalha, Cidade de Violet, Johto
O interior da fábrica era surpreendentemente amplo, muito maior que o saguão de entrada. Esteiras desativadas, repletas de Teddiursa de pelúcia e outros brinquedos, se estendiam até onde a vista alcançava, e um enorme telão ocupava boa parte do teto. Mira e Pierce ficaram boquiabertos ao encarar o logo imponente da Batalha da Fronteira projetado no alto.
Ao lado dos desafiantes, Fab-IA, a assistente virtual, desfez-se em uma nuvem de pixels assim que as luzes da linha de montagem de brinquedos começaram a acender, uma a uma. Logo em seguida, um novo holograma apareceu, dominando a área das esteiras. Era uma mulher alta e esguia, com longos dreads decorados com contas brilhantes, saltos altos, e uma postura que lembrava a de uma dançarina estrangeira. Ela flutuava suavemente, e sentou-se no ar como se houvesse uma cadeira invisível ali.
— Bienvenidos, desafiantes! — saudou a mulher holográfica com um sorriso enigmático e um forte sotaque estrangeiro. — Para o primeiro desafio, vocês têm uma pergunta: Esta habilidade pode dobrar as chances de um movimento aumentar seus efeitos secundários. Que habilidade é essa? Alternativa A: Serene Grace; alternativa B: Sheer Force; alternativa C: Shield Dust.
— Espera... o quê? — Pierce franziu a testa, surpreso com a pergunta.
— Três alternativas, trinta segundos para responder. Apenas uma resposta por desafiante — declarou o holograma com naturalidade, enquanto iniciava a contagem. — Trinta... vinte e nove... vinte e oito…
Pierce sentiu a pressão, lembrando-se da última semana em que havia se dedicado a estudar habilidades, alternando entre os estudos e as batalhas com Ren e Lyra. Mentalmente, revisava as características das habilidades: Sheer Force eliminava os efeitos adicionais dos golpes em troca de potência extra; Shield Dust prevenia os efeitos adicionais de golpes adversários; o que restava era Serene Grace, que dobrava as chances dos efeitos secundários.
— Quinze… quatorze… treze…
— Serene Grace — respondeu Pierce com segurança, interrompendo a contagem.
— Eu ia responder isso! — protestou Mira, revirando os olhos.
— Resposta correta, desafiante Percival! — a mulher holográfica bateu palmas no ar, com um sorriso satisfeito enquanto as luzes da sala piscaram em verde. — Prossiga para o próximo desafio. Agora, desafiante Mirandina, selecione três dos seis Pokémon disponíveis nas Pokébolas da esteira. Sua próxima etapa será uma prova de batalhas.
— Tchauzinho, Toco de Amarrar Ponyta! — debochou Pierce, mostrando a língua para Mira.
— Ora, seu! — retrucou Mira, irritada, batendo com o pé no chão.
Pierce riu, apesar de saber que sua provocação fora um pouco infantil. Confiava que Mira daria conta da prova de batalha, então precisava manter o foco: ainda restavam treze desafios até o encontro com o Chefe da Fábrica. Ele já sentia o gosto da vitória na boca.
Deixando a linha de montagem e suas esteiras para trás, seguiu até outro recinto — uma sala ampla, transformada em um campo de batalha, que dividia seu espaço com máquinas abandonadas. Um telão dominava o alto da sala, e um treinador holográfico, vestido como mordomo, aguardava-o ao lado de uma máquina de gashapon repleta de Pokébolas. Aquele mordomo era lhe muito familiar, por alguma razão, mas ele não conseguia lembrar de onde tinha visto-o.
— Desafiante Percival, — o mordomo iniciou em tom formal — sua segunda pergunta de quatorze. Responda corretamente para avançar. Se errar, enfrentará uma batalha.
— Manda ver!
— Certo. — assentiu o holograma. — O tópico é itens de batalha. Responda-me: Este item aumenta em vinte por cento o poder dos golpes de Pokémon do tipo Inseto. Qual é este item? Alternativa A: Bright Powder; alternativa B: Silk Scarf; alternativa C: Silver Powder. Trinta segun—
— Bright Powder! — respondeu Pierce imediatamente, confiante, sem esperar a contagem regressiva.
As luzes da sala piscaram em vermelho. Ele havia errado. O mordomo holográfico fez uma expressão desapontada, acenando negativamente. O gashapon girou, soltando três Pokébolas numa bandeja, sinalizando que ele enfrentaria uma batalha.
— Resposta incorreta, desafiante Percival. A resposta correta era Silver Powder.
Pierce suspirou. Era óbvio que fora uma pegadinha, e ele nem tinha considerado os trinta segundos para pensar. Estava tão empolgado por ter acertado a primeira pergunta que acabou sendo impulsivo. A Fábrica de Batalha não premiava impulsividade; ele sabia que exigia raciocínio.
— Que seja, aqui não se chama Batalha da Fronteira à toa. — Pegou as três Pokébolas do gashapon. — Vamos batalhar!
Seu VS. Recorder apitou, exibindo as informações dos três Pokémon para auxiliá-lo: itens, habilidades, golpes, até as naturezas e valores de esforço. Cada detalhe poderia ser decisivo.
O primeiro Pokémon, numa Heavy Ball, era um Machamp, como o que via diariamente na construtora a caminho da escola. Ele sabia que Machamp, com a habilidade No Guard, garantiria que seus golpes atingissem o oponente, especialmente se estivesse semi-invulnerável.
O segundo era um Blissey, que Pierce já vira várias vezes nos Centros Pokémon de Cherrygrove e Violet. Blissey era durável e, embora não tivesse a ofensiva de Machamp, poderia causar dano residual e dar a ele tempo para pensar em uma estratégia melhor.
Por último, seu terceiro Pokémon era um que conhecia bem — um Gliscor com Toxic Orb. Pierce se lembrou de seu próprio Gligar, companheiro fiel e primeiro parceiro, que provavelmente o observava na sala dos espectadores com Ren, Lyra e os outros. Lembrava-se de como o encontrara doente nas montanhas de Blackthorn e cuidara dele até se tornarem inseparáveis.
O mordomo holográfico segurava um relógio de bolso, aguardando pacientemente.
— Já se decidiu, desafiante Percival?
— Sim!
— Certo. — O mordomo guardou o relógio e ajeitou o fraque. — Pelo RNG da Fábrica de Batalha, o tipo de batalha será sorteado no telão acima.
O telão começou a exibir diferentes modos de batalha, embaralhando-os como uma roleta. Quando parou, Pierce suspirou aliviado ao ver que seria uma batalha simples, 1 contra 1, sem restrições extras.
Uma Pokébola saiu do gashapon, revelando um Feraligatr — a forma evoluída do Totodile de Lyra, com a qual ele já estava familiarizado. O crocodilo rugiu, esperando as ordens da IA.
— Machamp, vá! — chamou Pierce, lançando a Pokébola.
— O desafiante tem o primeiro movimento — anunciou o mordomo.
— Bullet Punch!
Os quatro braços de Machamp se envolveram em um brilho cinza-metálico, e ele disparou uma sequência de socos rápidos como balas contra Feraligatr. No turno seguinte, sob o comando da IA, o réptil executou Dragon Dance, elevando suas estatísticas de Ataque e Velocidade. Pierce, aproveitando a deixa, já tinha o próximo passo em mente. Quando Feraligatr investiu com Aqua Jet, utilizando a prioridade +1 do golpe, Pierce ordenou que Machamp segurasse o torpedo aquático com seus braços inferiores. Mesmo sendo arrastado até bater contra uma empilhadeira enferrujada, Machamp resistiu ao dano do golpe.
— Resista, Machamp, e use Ice Punch em sequência! Quando ele congelar, aproveite e contra-ataque com Payback!
Machamp assentiu, suportando o impacto do Aqua Jet e mantendo firme o crocodilo em seu domínio. Com os braços superiores, começou a desferir socos cobertos por uma aura gélida, que congelavam lentamente a água ao redor, deixando Feraligatr mais lento. Pouco a pouco, o crocodilo ficou preso em um bloco amorfo de gelo. Aproveitando o momento, Machamp se cobriu em uma aura sombria e escarlate e, com força máxima, desferiu um golpe que estilhaçou o gelo, devolvendo o dano sofrido. Pierce sorriu ao ver o efeito devastador no adversário, que claramente não aguentaria mais muitos golpes.
— Feraligatr, use Liquidation! — ordenou o treinador holográfico.
— Poison Jab! — gritou Pierce, sem hesitar. — Vamos envenená-lo agora! Machamp, quatro jabs seguidos!
Feraligatr cobriu-se em uma aura de água azul-safira, atacando com golpes físicos, enquanto Machamp respondia com jabs venenosos, os punhos revestidos em um brilho púrpura que explodia em bolhas de veneno ao contato. Golpe após golpe, o veneno começou a enfraquecer Feraligatr de forma visível, sua couraça coberta por manchas roxas e uma expressão febril.
A batalha prosseguiu com um ciclo intenso de Aqua Jets e Liquidations vindos de Feraligatr, que era constantemente atingido pelos Poison Jabs de Machamp. O efeito do veneno mostrou-se mais eficaz que o congelamento inicial, drenando o oponente com o tempo. No turno final, ambos se atacaram simultaneamente — Feraligatr com um último Liquidation, e Machamp com um poderoso Payback que jogou o crocodilo para trás. Feraligatr tentou se erguer, mas cedeu, derrotado pelo veneno.
Pierce não conteve a alegria. Um sorriso de orelha a orelha iluminou seu rosto enquanto ele abraçava Machamp em comemoração. Machamp, surpreso com o gesto afetuoso, permaneceu imóvel, claramente pouco habituado a tal demonstração de afeto.
— Parabéns, desafiante Percival — disse o mordomo holográfico. — Você está autorizado a avançar para o próximo desafio.
Harper
Fábrica da Batalha, Cidade de Violet, Johto
Era impressionante e, ao mesmo tempo, insano assistir a dois desafios acontecendo ao mesmo tempo nos telões holográficos da sala de espectadores, atraindo a atenção dos quatro amigos. Mira já havia avançado consideravelmente, superando doze provas, mas parecia enfrentar dificuldades em alguns obstáculos e quebra-cabeças que desbloqueavam as salas antes das batalhas. Em contraste, Pierce estava indo muito bem, tendo passado por nove das quatorze provas em apenas uma hora e quarenta minutos — um tempo notável, especialmente para Harper, que raramente assistia a batalhas na televisão.
Pierce se destacava não apenas em combate, mas também demonstrava um conhecimento impressionante em diversos tópicos. Mesmo quando cometia algum erro, ele conseguia se recuperar rapidamente enfrentando os treinadores de inteligência artificial. Isso era realmente admirável!
A Batalha da Fronteira era uma experiência completamente diferente das batalhas da Liga Índigo. Enquanto as batalhas da Liga eram mais convencionais, a Fábrica de Batalha apresentava desafios muito mais intensos e exigentes. As questões enfrentadas poderiam até aparecer em exames para juízes de batalhas da Liga Pokémon. Além disso, os quebra-cabeças, embora não contassem como provas, testavam as habilidades e o raciocínio dos participantes. Tudo isso era planejado para que os desafiantes usassem ao máximo suas capacidades intelectuais.
A Batalha da Fronteira era como uma forja, colocando os desafiantes à prova no calor da batalha, forçando-os a persistir. Pierce e Mira se encaixavam perfeitamente nesse perfil. Harper, mesmo não sendo um fã fervoroso de batalhas Pokémon, estava cada vez mais empolgado com o que via.
— O Pierce é incrível! — ele exclamou, admirado.
— Claro, o cara ficou um ano e meio aguardando a temporada da Batalha da Fronteira em Johto — comentou Ren, observando um dos telões. — Você deveria ter visto quando ele veio até mim todo animado, mostrando um panfleto com as inscrições, ou quando me atormentou perguntando se o VS. Recorder dele já tinha chegado pelo correio. Ele realmente ama desafios intensos.
— Por que ele tem essa necessidade de se provar? — questionou Lyra.
— É difícil dizer — Ren coçou a nuca. — Acredito que tenha a ver com o pai dele. Ele não quer se tornar uma pessoa como ele.
— O que aconteceu de tão grave com o pai de vocês, Luca? — indagou Harper, olhando para o irmão mais novo de Pierce.
— Hã, além de trabalhar excessivamente em um escritório, ser um desastre na cozinha e andar pela casa só de samba-canção? Acho que nada — Luca deu de ombros. — O papai não é um homem ruim, mas ele não é o pai do Pierce. Ele é meu pai. Somos meio-irmãos.
— Putz, desculpa… — Harper engoliu em seco, surpreso.
— Sem problemas, Harper — Luca riu. — Meu pai e a mãe dele se casaram quando eu tinha oito anos e ele, nove. Só sei que o pai do Pierce foi preso.
— PRESO?! — Lyra e Harper exclamaram em uníssono.
— Isso foi há muito tempo — explicou Ren. — O pai do Pierce se envolveu em atividades ilegais com Pokémon, drogas e itens de batalha adulterados quando moravam em Galar. Ele acabou sendo preso e teve que passar um tempo na cadeia.
— Oh… Agora tudo faz sentido — Lyra murmurou, pensativa. — O fato de ele não gostar de ser chamado de Percival também é um reflexo disso, não é?
— Sim — Ren coçou a nuca. — Percival é o nome do avô dele. Pelo que sei, o cara não foi um bom pai para a mãe do Pierce e para ele quando moravam em Galar.
Harper sentiu uma onda de compaixão pelo garoto. Parecia que Pierce queria se distanciar de tudo que pudesse lembrar as sombras do pai e do avô.
— Quanto tempo ele viveu em Galar?
— Bem, eu e o Pierce frequentamos a creche e o jardim de infância juntos — Ren fez algumas contas com os dedos. — Ele se mudou quando tínhamos cinco… Então, ele viveu… Hã, Luca, me ajuda com isso?
— Cerca de cinco ou seis anos em Galar — respondeu o skatista. — O papai conheceu a mãe dele durante uma viagem de negócios em Wyndon e, como eu não tinha uma babá, acabei brincando com Pierce no hotel. Eles começaram a se ver mais e logo se casaram, então agora somos irmãos.
— Uau — disse Lyra, impressionada.
— Tá tranquilo, o Pierce pode ser um chato, mas é meu irmão — comentou Luca. — Não temos laços de sangue, mas podemos brigar como Meowth e Rattata, e ainda assim nos amamos. É coisa de irmão, quer queiramos ou não. Até que estou gostando dessa jornada ao lado dele.
— Eu achava que você seria um pentelho — disse Ren, fazendo Harper rir.
— Mas eu sou mesmo — Luca cruzou os braços atrás da cabeça e relaxou em um dos sofás da sala de espectadores, mostrando a língua. — Eu seria um irmão menor horrível se não viesse para constranger meu irmão mais velho na frente dos amigos dele.
— Basicamente como nós, Lily — riu Harper.
— Só que a gente não é irmãos — ela respondeu, rindo de volta. — E você é bem pentelho quando quer. E até quando não quer, como naquele dia em que me fez passar vergonha na frente dos pais da Risa quando dormimos na casa dela. Se você fosse meu irmão, eu ia te dar uma coça. Sorte sua que a gente não compartilha DNA e nem os pais.
— Ha-ha — ele riu alto, jogando a cabeça para trás. — Que culpa eu tive se você chorou de medo do vilão daquele tokusatsu que assistimos e se assustou quando viu que a mãe da Risa se maquiou como ele?!
— Tá, tá bom, chega de conversa. Estou começando a sentir inveja de ser filho único aqui — disse Ren, olhando para os outros. — Vocês e seus relacionamentos familiares, tsc. Agora calem a boca e vamos assistir à batalha, estamos perdendo a chance de ver o Pierce derrotar esses treinadores cibernéticos!
Pierce
A Fábrica de Batalha era um organismo vivo, um ser de concreto e aço que a cada corredor e sala parecia ter mais senciência. Talvez fosse a inteligência artificial. Pierce não sabia dizer, mas ele sentia que por mais que o ambiente em si parecesse vivo, os Pokémon pareciam estranhos à afeição humana.
Tudo bem que ele esperava Pokémon com poses mais de durão como Machamp e Gliscor não reagiriam com tamanha afetividade à um treinador, ainda mais um desconhecido, mas ver uma Blissey, um Pokémon que era carinhoso com os outros ao ponto de arriscar-se para que os outros pudessem estar bem e felizes? Não, isso era estranho.
Ele já tinha prosseguido por mais de metade do percurso da fábrica, passando por linhas de montagem, galpões e pátios, agora ele parecia estar no que parecia ser os escritórios com seus computadores e escrivaninhas, escaninhos vazios e pastas onde não havia nenhum papel impresso ou sequer amassado. Tudo era a imagem perfeita de um prédio de escritórios onde mil e um engravatados trabalhariam da hora que o sol raia até o seu pôr.
Parecia que o Cérebro da Fronteira não tinha nenhum funcionário ali trabalhando, mesmo que aquilo tudo fosse uma fachada para a surpresa do desafiante, a Batalha da Fronteira ainda teria que ter pessoas trabalhando por trás de tudo e não apenas máquinas e hologramas, aquilo só fazia o lugar parecer inóspito e frio, apesar de transparecer vivaz.
Seu padrasto, o pai de Luca, era um desses engravatados que trabalhava em um prédio de escritórios como aquele. Numa subsidiária em Cherrygrove, não era grande coisa, além de ser um emprego do qual sempre reclamava, ainda mais que seu padrasto trabalhava seis dias na semana e folgava apenas um, ele esperava que ao menos a empresa mudasse a carga de trabalho do seu padrasto, seria bom tê-lo mais em casa as vezes. O prédio pelo qual Pierce vagava parecia igualzinho ao que seu padrasto trabalhava, mas a ausência de pessoas só o fazia teorizar ainda mais sobre a natureza de Thornton, o Chefe da Fábrica.
Ele era tímido? Talvez fosse recluso? Hum, quem sabe ele tivesse uma aparência sinistra com uma prótese mecânica ultrafuturista e por isso se afastasse das pessoas.
— Ou talvez ele só não goste de pessoas — disse para si mesmo quando chegou à copa daquele andar do prédio de escritório.
Ele reparou que aquele cômodo havia sido usado recentemente. Havia uma chaleira em cima do fogão com um resto de água e folhas de chá em cima da bancada. Um dos armários estava aberto onde dava para ver embalagens e mais embalagens de fast food, algumas abertas, outras ainda fechadas.
Ele abriu a geladeira e viu latas de energético, uma delas estava aberta e pela metade. Não parecia do feitio de nenhum desafiante, ao menos nenhum que fosse porco o bastante para deixar um local onde se comia sujo daquela maneira.
Mais ao fundo da copa ele viu o que parecia ser uma manta de lã coberta de migalhas jogada por cima de um sofá-cama ao lado de uma xícara vazia e um smartphone desligado, não era um PokéGear, parecia uma marca estrangeira, talvez sinnohana, ele já tinha visto algo assim em uma propaganda das revistas que sua mãe lia. Logo acima havia uma televisão grande de tela plana e um console de videogame ligado a ela.
Hikikomori. Thornton, o Chefe da Fábrica era hikikomori. Um recluso social. Chegava a ser chocante os sinais, mas talvez poucos desafiantes tivessem crescido com uma avó que era psiquiatra de pessoas e Pokémon que preferia ler artigos acadêmicos a contos de fadas para dormir. Eles vinham, batalhavam e iam embora, para eles os Pokémon pouco afetuosos e a falta de pessoal humano não parecia ser nada demais, mas Pierce conseguia ver os claros sinais ali.
— Olha olha, se não é o Piercezinho — uma voz veio logo atrás e ele deu um resmungo alto e audível.
— Que foi, Toco de Amarrar Ponyta? — ele indaga, revirando os olhos.
— Tô vendo que você já chegou até aqui, passou por quantas provas? — ela devolve com outra pergunta. — Vendo que você é burrão não deve ter conseguido nem cinco!
— Só para você saber, Perna de Rabanete, eu já passei por treze provas, diferente de você — ele devolveu a provocação.
— Duvido!
— O Diglett no teu ouvido!
— Ora seu! — ela bufou. — Eu não acredito que estou atrás de você! Eu estou com doze.
— Trouxona — ele ri dela. — Se liga que o pai aqui vai te mostrar como um verdadeiro desafiante da fronteira faz. Eu estou pronto para a próxima prova!
Sua voz ecoou pelo prédio de escritórios e a luz da copa desligou subitamente e a tela ligou e um novo holograma se projetou, pixelizando-se aos poucos em uma imagem semissólida. Quando a imagem terminou de projetar-se, Pierce ficou boquiaberto.
A imagem que vinha era a de uma jovem mulher no fim de sua adolescência. Ela era baixa com cabelos loiros-escuros decorados com lacinhos. Os olhos eram duas grandes piscinas azuis em meio ao rosto pequeno. Ela se vestia como uma boneca com o vestido rosa e o top de mangas longas branco, os tons pastéis predominavam na paleta da garota.
— CAITLIN?!
— Espera, essa daí não é a….
— Desafiante Percival, sua décima-quarta e última pergunta, responda corretamente e poderá ter o direito de desafiar o Chefe da Fábrica — iniciou o holograma de sua namorada, ele ainda não entendia o que estava acontecendo. — Erre e terá que recomeçar o desafio da Fábrica. Você está pronto, Desafiante Percival?
— E-eu… — ele hesitou.
— Vai, burrão, ela tá falando contigo!
— Eu estou!
— Certo — disse pausadamente. — Desafiante Percival, ao adentrar a Fábrica de Batalha você ouviu uma frase em uma idioma distinto, o lema da Fábrica de Batalha: Pro valentibus, sic itur ad astra!. Agora responda-me: qual é a sua tradução aproximada?
E quatro alternativas apareceram na tela ao lado do holograma da garota.
— Alternativa A: Aos valiosos, assim são feitas as estrelas — sua mão apontou, aberta. — Alternativa B: Aos valentes, os desejos são como os dos astros; Alternativa C: Aos valorosos, a estrada é a vitória; ou Alternativa D: Aos valentes, assim é o caminho para as estrelas!
Um timer de um minuto e meio começou a aparecer na tela e Mira olhou incrédulo para ele. Seu cérebro doía àquela altura, ver a imagem virtual de sua namorada pairando no ar acima dele como um holograma ainda fazia ele pensar muito. Será que além de ser um hikikomori, o Chefe da Fábrica havia hackeado suas informações pessoais? Céus, isso era baixo.
Mira continuou encarando ele, abrindo a boca em seguida:
— De onde você conhece a Lady Catherine? — perguntou a rival.
— Catherine? — ele ergueu uma sobrancelha. — Não, não. Aquela é Caitlin. É a minha namorada. Namoramos faz tipo um ano e meio, mas faz mó cota que não nos vemos pessoalmente.
— Hã… Okay, eu não quero saber disso — ela fez uma expressão de enojada. — Mas como assim você não sabe que ela é a Catherine? Caitlin é a irmã mais velha, uma membro da Elite dos Quatro da região de Unova.
Mira puxou o celular e mostrou uma mulher mais velha e alta com cabelos espessos e loiros, porém mais claros que o da garota flutuando à frente deles.
— A Caitlin não faz parte do circuito da Batalha da Fronteira tem anos — enfatiza Mira. — Ela abandonou a posição de Dama do Castelo de Batalha e passou a posição para a irmã mais nova e foi perseguir o sonho dela na região de Unova onde ela se especializou nos tipo Psíquico. Achei que todo mundo soubesse disso.
— Pois eu não! — exclamou o garoto, ainda abismado, sua namorado havia mentido para ele todos esses anos. — Eu fiquei um ano e meio acreditando que namorei uma garota chamada Caitlin e esse nem o nome dela era! Eu me dediquei num relacionamento só para … Merda, tudo faz sentido agora, como eu fui tão burro?!
— Por que você é burro — responde Mira.
— Desafiante Percival, qual a resposta? — A Catherine holográfica interrompe os dois adolescentes.
— Sei lá, vai tomar no cu, deve ser a Letra D — ele explode.
— Certa respos…
— Ninguém te perguntou! — ele pegou a caneca de plástico que estava no chão da copa próxima ao sofá-cama e jogou no holograma que logo se despixelizou, desaparecendo.
Ele agachou próximo a parede e colocou as mãos na cabeça e sentiu o peito chiar como quando tinha crises de asma quando criança, mas dessa vez a crise era outra.
— Como ela pôde mentir para mim! — ele estava trêmulo, o rosto quente com as lágrimas que desciam como fogo líquido. — Eu dediquei tudo de mim para que aquele relacionamento funcionasse. Ela tinha sido tão legal comigo e eu achei que fosse algo real, mas desde o começo ela mentiu. O que mais é mentira? Ela mentiu sobre viver em Ecruteak? Sobre ter recebido os presentes que enviei no correio? Sobre as viagens?
Mira se acocorou e ficou no nível do garoto, tocando o seu ombro, ela viu que não era hora de brincar com ele. Com aqueles olhos enormes, a menina sinnohana olhou direto nos olhos cor-de-rubi de Pierce e falou:
— Era sério o que vocês tinham?
Ele acenou com a cabeça.
— Nos conhecemos nas férias de verão há um ano e meio atrás — diz ele. — Ela ficou durante o verão todo em Cherrygrove e no fim dele a gente trocou números e começamos a namorar. Meu melhor amigo sempre me provocava por que né, relacionamento a distância, é difícil manter, mas eu quis continuar e…
— Ela não quis, né?
— Nunca pareceu querer, eu acho — ele suspirou. — Mas eu não tenho culpa. Ela é… ela foi. Ela foi minha primeira namorada e eu meio que me dediquei por inteiro por ela e… Eu sei lá. O que eu faço agora?
— Em Sinnoh temos um ditado, é meio estranho, mas minha avó dizia o seguinte — Mira dá um pigarro. — Se há um Snorlax no caminho, dê a volta, mas se o Snorlax voltar a aparecer, acorde a fera.
— E o que isso quer dizer, sinceramente?
— Se há algo difícil, tente contornar — explica Mira. — Mas se não der, você enfrenta com o que tem.
— E vocês de Sinnoh saem enfrentando Snorlax a torto e à direita assim? — ele riu.
— Não, haha — ela gargalha. — Mas minha bisavó já contou uma história da minha tatara Pesselle sobre um Snorlax gigantão com olhos brilhantes e vermelhos que devorou todas as sacas de arroz no granário da vila dela.
— Um Snorlax gigante de olhos vermelhos? Ah, por favor né — ele ri.
— Te fiz rir — ela sorri. — Agora levanta, seu Bunda Mole. Não quero um rival chorão, entendeu? Se continuar chorando eu vou te chamar de um apelido pior!
— E eu vou revidar, Pernas de Rabanete.
— Então levanta essa bunda magrela sua e vai desafiar o Thornton — diz Mira. — Eu estarei logo atrás de você e é melhor você ganhar!
Ele se levantou do chão e correu pelo prédio de escritórios. Ele confrontaria sua namorada depois, agora ele tinha um Cérebro da Fronteira para enfrentar e não podia se dar ao luxo de deixar as suas emoções tomar conta dele em um momento como ele.
Batalha primeiro, extravasar toda a frustração depois.
Caminhando por entre os corredores ele chegou à uma sala de reuniões onde no fundo dela havia uma plataforma verde brilhante, um daqueles teletransportes fixos que a Silph Co. gabava-se de ter inventado, mas que, na lógica, funcionavam mais como elevadores só que mais rápidos e utilizando do mesmo princípio que o golpe Teleport, só que mais confuso.
Ele pisou na plataforma de teleporte e ela acendeu-se em verde o levando da sala de reunião para uma outra sala, um grande campo de batalha com grandes telas holográficas, tubos e mais tubos com muitas Pokébolas pairavam ao lado das paredes, descendo em escadinha pela arquibancada onde seus amigos pareciam assisti-lo, todos eles com uma expressão estranha no rosto. O descontentamento deles era tão genuíno quanto o dele.
Eles tinham visto tudo. Claro que tinham visto. Seu colapso ao descobrir a crua verdade sobre o namoro de Pierce com Cait…. Catherine. Catty. Ele suspirou, não podia ser emotivo. Não agora. Ele precisava deixar seus Pokémon falar por ele e deixar a batalha acontecer.
Bem ao fundo do campo de batalha ele viu o Chefe da Fábrica, um garoto magérrimo da sua idade com uma expressão de mauricinho esnobe no rosto, parecia de não muitos amigos, no caso nenhum. Era um hikikomori, um hikikomori bem vestido com um colete preto, gravata, bermuda verde e tênis, era um visual bacana se não fosse pelo cabelo estranho que nem mesmo Pierce que tinha o cabelo naturalmente malhado por conta do piebaldismo conseguia entender.
— Vejo que chegou até mim, desafiante Percival — disse Thornton. — Realmente fez jus ao lema. Aos valentes, assim é o caminho para as estrelas.
— Não me sinto tão valente assim — ele dá de ombros.
— Bem, é preciso valentia quando se trata de enfrentar aquele Sharpedo loiro — comenta Thornton. — Não sabia que você era o namorado da minha colega de trabalho. Uma pena. Ela é uma pessoa horrível.
— Valeu… Eu fui o último a saber…
— Minhas condolências, amigo — diz Thornton, o tom de sua voz era frio e indiferente para tudo. — Se serve de consolo, talvez Catherine nunca foi isso tudo que você idealizou. Ela apenas gosta de brincar com os sentimentos de todos. Nem na Fronteira escapamos disso. É frustrante trabalhar com ela…
— Podemos só batalhar?
— Oh sim, certo — ele diz. — Bem, vamos adiantar um pouco as coisas, Fab-IA, decida o nosso módulo de batalha, por favor!
Fab-IA materializou-se ali no campo de batalha vestida como uma juíza de batalhas e segurando bandeiras. Uma tela holográfica acompanhou-a e mostrou um monte de tipos de batalha diferentes em uma velocidade absurda até que parou em uma: Batalha Tripla.
— Três versus três — sorri Thornton. — Vai ser divertido.
O Chefe da Fábrica estendeu as mãos e três Pokébolas foram sopradas de tubos nas paredes em direção às suas mãos, ele não demonstrou ânimo nenhum nisso. Thornton olhou para o seu VS. Recorder e deu de ombros, jogando as três Pokébolas ao campo revelando três Pokémon: um Umbreon, um Porygon2 e um Magmar.
— Vão! — ele jogou as Pokébola ao campo.
Machamp e Blissey assumiram o campo de batalha com Gliscor sobrevoando por cima. A batalha se deu início.
— O primeiro golpe é do Chefe da Fábrica — disse Fab-IA.
— Porygon use Tri-Attack no Machamp! — ordena o Chefe da Fábrica. — Umbreon use Helping Hand. Magmar desfira Fire Punches em sequência na Blissey.
— Blissey use Toxic e Gliscor ataque com Knock Off! — ordena ele. — Machamp faça um Substitute!
A Pokémon enfermeira dispersou pó tóxico de suas plumas enquanto o Porygon2 do Chefe da Fábrica lançava um triângulo elemental de fogo-gelo-raio contra Machamp que aproveitava a deixa para criar um clone para tomar aquele dano residual. Magmar, aproveitava a janela de oportunidade para atingir Blissey com socos envolvidos em chamas, enquanto Umbreon que levantava os ânimos de seus companheiros com Helping Hand, levava um golpe certeiro de Gliscor que acabou removendo o item que segurava.
— Porygon use Psybeam no Machamp agora que o Substitute dele caiu — grita Thornton. — E Umbreon use Crunch em Blissey. Magmar ataque com Mach Punch em Gliscor!
A batalha começou a intensificar a partir deste turno. Era uma das razões de Pierce amar batalhas competitivas e gostar da Batalha da Fronteira. Aquilo era o que alimentava a chama interna de Pierce, fazendo-a arder com mais intensidade a cada golpe e desvio, a cada vez que a habilidade de um Pokémon se provava útil em batalha.
Os Pokémon de Thornton eram impressionantes. Umbreon era um Pokémon mais focado para o lado especialmente defensivo, parecia mais focado em diminuir as estatísticas dos Pokémon de Pierce, além de causar dano com Crunch. Porygon2 era outro Pokémon focado no lado especial, neste caso com o ataque, sempre desferindo golpes para causar dano residual como seu infame Tri-Attack que acabava deixando Blissey trabalhando extra para curar os Pokémon afetados e si mesma. Magmar, por outro lado, era um atacante físico tal qual Machamp, e parecia focado em tirar dano bruto, mas nada que não pudesse ser segurado e devolvido por Gliscor.
A batalha se mostrava ferrenha. Thornton parecia saber as táticas que Pierce usaria e usava isso ao seu favor, mas ele próprio tentava ser mais esperto que o Chefe da Fábrica. Ele não tinha passado por um episódio de crise e descobrido tudo aquilo apenas para perder para Thornton assim. Ele tinha realmente treinado para aquilo, se preparado para tudo que a Fábrica pudesse oferecê-lo. Ele usaria a estratégia de combinar seus Pokémon da mesma maneira que Lyra havia feito contra o Pidgeot de Falkner outro dia.
— Gliscor use Protect na Blissey e no Machamp! — Pierce exclama um comando. — E ataque com Earthquake! Machamp aproveite o tremor e soque o chão com Ice Punch e Blissey deslize e ataque com Seismic Toss!
O escorpião-vampiro gerou um domo protetor esverdeado ao redor de seus aliados, enquanto prostrava-se no solo batendo com sua cauda segmentada causando um tremor pela arena tirando dano significativo em Magmar, abaixando seus pontos de saúde e debilitando o equilíbrio de Umbreon e Porygon2.
Machamp com seus quatro punhos encapsulados em gelo socava o chão fazendo estalagmites de gelo emergirem do chão onde a terra fissurava durante o tremor, atingindo os Pokémon de Thornton que estavam desorientados por conta dos tremores do Earthquake. Blissey, que tinha sido a curandeira durante toda a batalha, aproveitou para saltar de um estalagmite a outro de gelo, indo de encontro aos oponentes, pegando-os um por um e com um salto coreografado, o Pokémon enfermeiro pegou os três Pokémon e arremessou-os contra o campo de batalha. Os três caindo fora de combate com aquele golpe final.
Pierce suspirou ao fim da batalha e foi de encontro aos três Pokémon ao fim da batalha e abraçou-os, acariciando-os. Ele havia ganho sua primeira batalha contra um Cérebro da Fronteira e, depois de tudo que ele havia passado, ele merecia comemorar uma coisa boa. Ele lidaria com toda a situação envolvendo Catty outra hora.
Blissey, Machamp e Gliscor ainda estranhavam as demonstrações de afeto vindas do desafiante da fronteira, até Thornton achava aquilo deveras estranho, era como se tanto o Chefe da Fábrica quanto os Pokémon treinados por ele, não entendessem aquela linguagem.
Logo mais afeto veio a Pierce. Seu Gligar havia voado até a sua cabeça, envolvendo-o com as asas e pinças. Sentret fez o mesmo, afagando-se contra ele, fazendo cócegas com o pelo macio enquanto Pineco saltitava em torno de seu treinador comemorando a vitória de seu treinador.
— Meu Todo-Poderoso Sinnoh — disse Thornton abismado. — Por que seus Pokémon se comportam assim? Por que você se comporta assim ao redor de Pokémon?
— Oras, por que eu não deveria? Eles estão felizes — disse o rapaz. — Eles podem não ter participado da batalha, mas me viram competir e estão felizes por que me viram ganhar. Pokémon são mais que criaturas que batalham, eles são seres complexos, são meus amigos. Você compreende isso, não é?
— Bem, eu não tenho muitas amizades — diz Thornton colocando as mãos no bolso da bermuda. — Humanos não são minha preferência, os desafiantes vêm e vão e eu só interajo com meus colegas de trabalho e com os desafiantes, o resto é trivial e não vale meu temp. Pokémon são o instrumento de meu trabalho. Fab-IA e os meus robôs são o que tenho. Relações são difíceis, sabe?
— Bem, eu acabei de perceber que sim — fala Pierce se lembrando de horas atrás. — Mas também vale a pena construir algo. Eu não sei o que aconteceu com você, Thornton, mas abra a Fábrica para pessoas além dos desafiantes. Faça conexões com os Pokémon que você treina. No fim tudo compensa.
— Bem, se você diz… — ele diz, seu tom de voz ainda mecânico e frio. — Sempre se pode experimentar algo diferente. Abra seu Vs. Recorder, a estampa comemorativa, bem como trezentos pontos de batalha foram transferidos para ele, poderá avançar para o seu próximo desafio.
— Legal!
— Bem, eu não sei o que fará com aquele Sharpedo loiro, até ela me aterroriza — diz Thornton. — Mas acho que posso te recomendar alguém que te colocará para treinar muito: a Dahlia, a Deusa da Roleta. A estratégia dela é usar a sorte e as probabilidades a seu favor durante as batalhas.
— Isso sim é legal — diz o desafiante da fronteira. — Onde poderei encontrá-la?
— Assim como a Fábrica de Batalha, a Roleta da Batalha não tem um local único — comenta Thornton. — Mas fique atento, Dahlia não é como eu que tento ficar na minha zona de conforto, ela gosta de chamar a atenção.
— Certo, então agora sim é hora de treinar pesado — ele apertou os punhos. — Rapazes e garota — ele se virou para Gligar, Sentret e Pineco que olharam atentos para o seu treinador. — Vamos nos preparar! Vai ter mais um desafio pela frente.
— Bem, eu vou indo, acredito que a Desafiante Mirandina já está pronta para me desafiar, mas levarei as suas palavras em consideração Desafiante Percival…
— Pierce, me chama de Pierce, cara — corta ele. — Ninguém me chama de Percival. E se quer ser meu amigo, melhor me chamar de Pierce, ouviu?
— Então me chame de Mika, meu nome é Mikhael Thornton, mas me chame de Mika se quiser — ele acenou, dando um sorriso genuíno. — Espero vê-lo no futuro, Pierce.
Pierce
Café Scratch, Cidade de Violet, Johto
Depois da vitória os adolescentes se reuniram no Café Scratch. Parecia já ter virado uma tradição entre o quarteto e, bem, Harper parecia ter gostado do café já que ele estava com um Meowth no colo tal qual Lyra, os dois pareciam ter uma grande paixão por Pokémon felinos ao que parecia.
— Cara, ainda tô em choque com toda essa informação — comenta Luca. — A sua namorada bonitona mentiu a identidade para você. Isso não é crime?
— É sim — diz Harper. — Mas se a irmã dela é uma Elite dos Quatro na região de Unova e o título dela é Dama do Castelo, isso já diz muito sobre ela. A garota é podre de rica, ela pode pagar para não ir para a cadeia.
— Não é só disso que ela é podre — diz Pierce que fatiava um pedaço de bolo para si. — Eu só… Ugh. Eu investi tanto nesse relacionamento. Me doei por inteiro e ela… ela simplesmente age como a maior mentirosa por anos! É injusto!
— Cara, termina com ela, você não combinou de encontrar com ela? — indaga Ren com a caneca de cappuccino em mãos, ele tinha um bigodinho de creme em cima dos lábios. — Eu vou estar lá com você. Você termina com ela e se livra desse estorvo.
— Vou pensar até lá — ele suspira. — Eu vou fazer o que a Mira me disse. Vou enfrentar esse Snorlax de uma vez.
— O quê? — Luca quase cuspiu seu milkshake. — Aquela garota sinnohana falou isso. Será que em Sinnoh todo mundo é maluquete das ideias?
— É uma expressão, Luca — ri o mais velho. — Mas, sei lá, eu vou encontrar com a Catty em um restaurante em alguns dias, eu só tinha contado isso para o Ren e… Bem, eu preciso ser mais aberto com vocês enquanto estivermos viajando. Eu vou ter que me encontrar com ela e o Ren vai estar lá comigo.
— Segurando vela? — pergunta Lyra.
— Bem, não… — ele coça a nuca. — EutenhoumencontrocomoMin…
— O quê? Dá para falar a nossa língua, senpai? — gargalha Harper.
— Eu vou ter um encontro com Min… — diz mais devagar, o rosto avermelhado.
Lyra dá um gritinho e Luca faz uma careta, Harper por sua vez inclina a cabeça para o lado e arquea uma das sobrancelhas, não entendendo do que seu senpai falava.
— O idol altão? — pergunta Luca. — Justo ele? Você não era apaixonado no outro cara lá?
— Meu Ho-Oh, meu Ho-Oh, meu Ho-Oh! — Lyra ecoa, animada, quase pulando da cadeira. — Eu tô com tanta inveja. Muita inveja! Deuses, Ren-Ren, como você consegue isso? Espera isso quer dizer que… Meu Ho-Oh, você é…?
— Gay? Sim, mas Min só me convidou como amigo — ele diz, como se não fosse surpresa para ninguém ali na mesa, quando na verdade nunca fora. — Ele quer me devolver um mangá meu que ele acabou encontrando por acidente. Sabe?
— Uau — boquejou Harper. — É muita informação para processar, senpai.
— Você está de boa com isso, Harper? — pergunta o garoto mais velho.
— Sim, por que eu não estaria? — indaga o menino. — Eu cresci com a Lyra de todas as pessoas, sabe o quanto de mangá boys’ love ela tem guardado lá em casa só por causa avó dela? Minhas estantes de livro viraram praticamente dela!
— Ei! — Lyra ralha. — Não me entrega, eu não sou tão fujoshi assim. São só as três coleções de Boy Meets The Prince of Kalos e as duas coleções de Banana Qwilfish.
— São tipo uns quarenta mangás, Lyra! De cada coleção! — ele reclamou. — A Tia Mimi quase tá querendo abrir uma seção na biblioteca para o pessoal ler os seus mangás e desocupar as minhas estantes!
Os dois continuaram a brigar como irmãos de verdade, lembrando de quando ele e Luca brigavam por qualquer motivo besta em casa.
— Nosso grupinho deveria ter um nome, sabe? — sugere Pierce. — Eu tô pensando em Pierce and the Boys.
— Mas eu não sou um dos boys — diz Lyra.
— E eu não viajo com vocês — fala Harper. — Aliás eu tenho que voltar logo para a pousada, preciso fazer um relatório sobre a Fábrica de Batalha para a minha professora, ugh!
— Ainda bem que estamos de férias por tempo indeterminado da escola — gargalha Ren.
— Deu dó — diz Luca. — Mas não vou sentir saudades da escola tão cedo. Aliás, já sei, que tal chamarmos nosso grupo de Poké Squad!
— Clichezão, Lucky — comenta Ren. — Mas gosto do som de Squad, soa maneiro… Deixa eu pensar em algo…
— Que tal The Greatest Squad? — sugere Harper. — Podem diminuir para GS Squad, é um nome maneiro, vai!
— Pior que gosto de como GS Squad soa — fala Lyra. — Concordo em esse ser o nome do nosso grupinho.
— Então GS Squad somos! — concorda Ren.
— Um brinde ao GS Squad então! — Pierce levanta seu copo ao centro da mesa. — Kanpai?
— Kanpai! — os outros dizem, brindando, batendo levemente seus copos fazendo um tintim àquilo.