Lyra Cidade de Violet, Johto Quarta-feira, 4 de maio
Lyra sentia como se alguém houvesse colocado uma bigorna em cima de seu peito. O peso acabou acordando-a por conta da falta de ar. Assim que ela abriu os olhos se deparou com um felino de pelagem branca-creme que a encarava com o único olho bom, a moeda koban brilhando à primeira luz da manhã que adentrava pelas persianas, era o Meowth do café que ela havia ido outro dia com os amigos.
O gato a encarava. Ele tinha marcas de brigas de rua evidentes já que um pedaço da orelha e o olho esquerdo eram marcados por cicatrizes fundas e rosadas. Próximo ao seu futon estava seus outros Pokémon que encaravam o Meowth, Totodile e Dunsparce recuavam de perto do gato como se tivesse medo.
— Dá p-pra sair de cima? — disse, com dificuldade de respirar.
O felino voltou a olhá-la e saltou do futon deixando que Lyra pudesse se levantar e colocar os pés no chão. Ela olhou ao redor do quarto e não viu sua colega de quarto, Tomoki, talvez ela tivesse saído cedo já que pelo relógio de pêndulo eram por volta das nove e pouca da manhã. Seus dois Pokémon olharam para ela, talvez estivessem esperando por ela para tomarem café da manhã, talvez os meninos também estivessem aguardando por ela lá embaixo no refeitório.
A garota pega seu celular e vê que não há nenhuma mensagem, os meninos não haviam mandado nada, o que era estranho. Será que estavam ocupados? Ela tentou não pensar muito, o roncar do estômago não permitia muitos pensamentos para aquela hora da manhã. A menina apenas trocou a camisola baby doll que usava pelo habitual moletom de capuz e macacão jeans, calçou os meiões e os sapatos e caminhou em direção à porta.
Toc-toc. Alguém bate na porta bem no momento que ela toca na maçaneta. Uma voz chama do lado de fora.
— Nee-chan você está aí? — era uma voz masculina.
Lyra abre a porta para atendê-la. Diante dela estava um garoto alto da sua idade, os cabelos eram azuis claros como a superfície plácida de um lago enquanto os olhos eram dourados com um halo como raios de sol passando pelas frestas de janela. Ele era bonito, mas não de um jeito convencional, ele parecia mais um supermodelo com aquela pele pálida leitosa e os lábios rosados e cheios, fora as pequenas pintas espalhadas pelo rosto como estrelas solitárias em um céu. A garota não pôde evitar sentir um rubor vir às bochechas.
— Quem é você? — ele pergunta, inclinando sua cabeça. — Onde minha irmã está?
Um miado interrompeu Lyra antes que ela pudesse responder o rapaz. Meowth olhava-a e depois voltava o seu olhar para o garoto à sua porta.
— De-desculpa — gaguejou. — Eu so-sou… — ela respira fundo e se recompõe tentando não titubear na frente daquele menino. — Meu nome é Lyra. Sua irmã é a Tomoki-chan?
O garoto acenou com a cabeça em resposta.
— Você a viu?
— Não — ela respondeu, Tomoki-chan havia saído muito cedo bem antes de Lyra acordar e o único sinal de que ela havia estado ali no quarto era os cobertores dobrados guardados no armário junto com os travesseiros e o futon. — Eu acabei de acordar. Qual o seu nome?
— Meu nome é T… — ele se censurou por um instante, engoliu a própria saliva e recomeçou. — Meu nome é Kousei. Me desculpa chegar batendo na porta do seu quarto, é que eu e a minha irmã… Nós estamos viajando com um amigo… — a palavra amigo soava estranha, alienígena na boca de Kousei. — … e nós estamos na cidade procurando por… deixa para lá. Desculpa interromper…
— Não, não, sem problemas — ela coçou a nuca e soltou um breve e curto riso.
— Está descendo para tomar café da manhã? — ele perguntou e ela assentiu com a cabeça. — Se quiser posso te acompanhar, talvez lá no refeitório eu possa encontrar a minha irmã.
Ela aceitou, mas sem dizer isso em palavras. A garota, junto com seus Pokémon, foi pelo corredor e Kousei ficou a cinco passos dela. Lyra notou que ele era acompanhado por um Vulpix que parecia um pouco mais magro que os que ela via em alguns templos em viagens à Ecruteak com a avó ou em documentários na televisão. Ela tentou não pensar muito nisso já que Meowth, que nem um Pokémon seu era, também não estava nas melhores condições.
O refeitório ficava dois andares abaixo e Lyra se recusou a pegar o elevador, tendo descido as escadas e na metade do caminho tendo tido de ajudar sua Dunsparce a se locomover já que a cobra tsuchinoko rastejava a um ritmo mais lento. Kousei não pareceu se importar de ajudá-la e também não questionou do porque ela deixar seus Pokémon fora das Pokébolas.
Ao chegar ao refeitório, Lyra pegou um bandejão e começou a servir-se. Haviam tantas opções de café da manhã que iam desde os mais tradicionais com uma tigela de arroz, sopa de miso, peixe e legumes em conserva a cafés mais elaborados como panquecas fofinhas com calda de melaço, bolos e pães diversos cujo cheiro adentravam as narinas da garota.
Depois de tanto escolher ela pegou uma fatia de uma torta de berries e um copo de chá de Apricorn Vermelha gelado para acompanhar. Para seus Pokémon ela havia selecionado iscas de carne para Totodile e um mix de cogumelos desidratados e raízes para sua Dunsparce enquanto Meowth, que insista em ficar perto, recebeu um pouco de tiras defumadas de Magikarp.
O garoto, Kousei, à sua frente, havia apenas pegado um simples omelete e não pegou nada para beber, mas escolheu um pouco de ração para seu Vulpix com alguns flocos de pimenta e de Tamato Berry desidratada já que a picância fazia bem para os Pokémon do tipo Fogo como a raposinha.
— Você é uma treinadora, certo? — ele perguntou enquanto partia o omelete. — Você tem um dos iniciais que dão lá em New Bark.
— Ah sim — ela enrolou uma mecha de cabelo, ela estava um pouco nervosa. — Comecei tem alguns dias, ainda nem desafiei o ginásio daqui já que está fechado pela semana e eu e meus amigos tiramos uns dias para treinar e…
— Maneiro — ele deu um sorriso genuíno, os lábios rosados curvaram-se. — Meu amigo Silver é um batalhante nato, você tem que ver. Ele conseguiu vencer o Falkner facinho, mas aposto que você também consegue, ainda mais com esse Meowth seu.
— Hã, mas Meowth não é… ele não é meu Pokémon — Lyra riu em nervosismo. — Ele só começou a me seguir desde… Desde anteontem, acredito eu… Ele é de um café aqui nas redondezas.
— Se ele é de alguém então por que ele está tão maltratado? — indaga Kousei olhando as cicatrizes e marcas no gato.
Lyra concordava com a linha de pensamento do menino, não fazia sentido que um estabelecimento que tinha Pokémon felinos como Meowth como sua temática deixar um Pokémon tão negligenciado em cuidados assim.
— Acho que já sei o que fazer hoje… — ela disse olhando para o Pokémon gato.
— Bem, se quiser eu posso te acompanhar. Algum problema? — o menino dá uma sugestão.
— O-obriga… — antes que Lyra pudesse agradecê-lo, alguém toca-a no ombro, fazendo ela virar de supetão.
Chegando por trás da garota estava Luca, o meio-irmão de Pierce, os cabelos escuros recaíam como uma franja, acortinando a testa do garoto. Carregando próximo ao coração estava a encubadora com o ovo de seu Pokémon que ainda estava para nascer.
— Luca?!!
— Ei, Lily, a gente estava te procuran- — Luca olhou para o garoto sentado à frente de Lyra. — Quem é o garoto?
— Ah, prazer, eu sou T-... — ele engoliu em seco igual antes quando se apresentou meia hora atrás. — Kousei, me chamo Kousei.
— Coé, sou o Luca — se apresentou. — Eu tô interrompendo algo? Vocês estão num date romântico?
— Ah… Não, não, nana-não — Lyra gaguejou, seu rosto estava vermelho ardente.
— E-eu não… Ela e eu não somos… — Kousei se defende. — Ela é apenas colega de quarto da minha irmã gêmea. Acabei de conhecê-la. Você é irmão da Lyra?
— Tsk, quem dera, ha-aha — ele disse, jocoso. — A gente tá saindo em jornada junto com meu irmão e o melhor amigo dele.
— Aliás, onde o Pierce e o Ren estão? — pergunta Lyra.
— Pierce está treinando para o desafio dele na Fábrica de Batalha — explica o garoto. — O Centro Pokémon tem um sistema de aluguel de Pokémon nas salas de treinamentos e o Ren tá ajudando ele, então eu tô meio a toa.
— Oh… Eu também deveria treinar um pouco — diz Lyra. — Logo é meu desafio do ginásio em Violet e…
Meowth interrompeu sua linha de raciocínio com um miado. Dunsparce que estava ali perto sibilou e chacoalhou sua cauda provocando um barulho de chocalho e seu Totodile remexeu-se e com a patinha puxou Lyra pela barra do macacão.
— Acho que seus Pokémon também querem — diz Luca.
— Bem, não iríamos para saber mais sobre o Meowth? — indaga o garoto de cabelo azul. — Podemos sair, treinar e também descobrir mais sobre o Meowth?
Parecia uma ideia boa. Era melhor treinar lá fora do que ficar confinada em uma sala pequena. Tanto Pokémon quanto pessoas precisavam desfrutar ao livre, à luz do sol, sentindo o sopro do vento no rosto. O ginásio da cidade era de Pokémon Voadores, talvez conhecer mais da cidade e os seus arredores poderia ser um jeito de entender a especialidade do líder de ginásio.
— Bem, vamo simbora então — diz Luca. — Eu tô entendiado neste Centro Pokémon.
Os três adolescentes saíram após o café da manhã. O Café Scratch, o lugar onde Lyra havia conhecido o Meowth, não ficava longe do Centro Pokémon, mais ou menos cinco ou seis quarteirões. O caminho até o café era tranquilo, passando por ruas de paralelepípedos e casas tradicionais, além de árvores de bordo e carvalhos, Violet era o tipo de lugar onde uma pessoa mais velha gostaria de passar a sua aposentadoria, ao menos era o que Lyra pensava.
Quando chegaram ao Café Scratch, Lyra podia ouvir os miados dos outros Meowth que ali residiam além do cheiro de café moído e doces folhados, se ela não tivesse tomado café da manhã há alguns minutos atrás ela totalmente comeria um pouco de torta, mas por agora ela tinha que saber mais sobre aquele Meowth que tanto seguia ela por algum motivo.
Ao entrar no café, logo próximo ao balcão havia um grande Persian que dormia profundamente sob um feixe de luz do sol que vinha das vitrines, uma funcionária no caixa mexia no celular enquanto em outras mesas alguns clientes brincavam com os Meowth do café, cada um identificado por uma coleira com um guizo o que fez Lyra perceber algo: que o Meowth “dela” não usava uma coleira.
— Bom dia, como posso ajudá-los? — alguém se aproximou por trás do trio.
Lyra quase pulou para trás, as pessoas tinham que parar de chegar por trás dela assim desse jeito. Quem tinha chamado era um rapaz em seus vinte e poucos anos usando o uniforme do café, ele tinha um avental com o logo de uma xícara marcada por três marcas de garras.
— Ah, oi… Eu estive aqui ontem e um dos seus Meowth me seguiu até o Centro Pokémon — falou Lyra sem enrolar.
O Meowth caminhou por trás de Lyra e deu um miado. O funcionário olhou como se conhecesse aquele gato e deu um meio sorriso.
— Putz, como eu posso te explicar? — ele coçou a nuca e deu uma gargalhada nervosa. — Esse não é um dos nosso Meowth. É uma situação engraçada, sabe?
— Isso é o oposto de uma situação engraçada, cara — Luca intervém.
— Como assim não é um dos seus Meowth? — pergunta Lyra. — Vocês têm vários!
— Bem… — o funcionário coçou a nuca novamente em nervosismo, um hábito que parecia comum àquela altura. — Todos os nossos Meowth têm uma coleira e uma Pokébola, além do número de identificação deles ser atribuído ao café. Este Meowth, por outro lado, não pode ser capturado.
— Como assim, não pode? — indaga Kousei, curioso. — Já tentaram antes?
— Bem, vou demonstrar — ele puxou uma Pokébola do bolso do avental e jogou no Meowth.
A Pokébola sequer abriu para fazer a captura, o que era muito estranho. A esfera caiu no chão, inerte, realmente aquele Meowth não podia ser capturado, era como se…
— Ele é o Pokémon de outra pessoa…
— Ao que parece, ele é — diz o rapaz. — Mas o treinador deve tê-lo abandonado, já que… bem, não fez nem questão de liberá-lo.
— Posso fazer uma pergunta? — Luca levanta a mão livre enquanto a outra segurava a cápsula encubadora. — O que realmente determina que um Pokémon que já tem um dono não pode ser capturado por outra pessoa?
— Pelo que sei — diz Lyra. — As Pokébolas modernas registram as espécies capturadas no banco de dados do treinador e são vinculadas a um sistema de armazenamento administrado pela Liga Pokémon local, sabe?
— Isso é curioso, então quer dizer que uma vez que um Pokémon é capturado há tipo um “lacre” que impede de outros treinadores tentar roubá-los?
— Sim, isso foi feito em parceria com diferentes comitês organizacionais de diferentes regiões — fala o funcionário. — Estava tendo muito furto e contrabando de Pokémon há mais de trinta anos atrás, principalmente em Kanto e Johto durante a guerra.
Lyra se lembrava vagamente disso, ela tinha estudado isso na escola, mas nunca havia prestado muita atenção nesse tipo de coisa. Ela virou-se e olhou para Kousei que mordia o canto do lábio, as mãos estavam enfiadas nos bolsos da calça.
— Mas enfim, sem desviar do assunto, se esse Meowth não é daqui — começou Kousei. — De onde raios ele é?
— Ele começou a aparecer aqui no café tem um três meses — respondeu o funcionário. — Mas eu tenho minhas suspeitas de que ele deve ser de uma das casas abandonadas no bairro próximo.
— Então parece que é nossa próxima parada — diz Lyra.
Lyra
Quando o barista no café havia dito que o Meowth era de uma das casas abandonadas ele não estava nem um pouco brincando, mas a questão agora era: De que casa ele poderia estar falando? Haviam muitas.
Uma cerca de grades alta rodeava a vizinhança inteira. Tratores e guindastes, além de vigas de metal, sacos de cimento e areia, ferramentas de construção civil e equipamento de segurança podiam ser vistos jogados por ali e acolá pelo bairro. Várias placas amarelas espalhadas pelo bairro podia ser vistas de qualquer parte com avisos de demolição eminente, risco de objetos caindo, de Pokémon e homens trabalhando e pedidos de evacuação.
As casas do bairro eram tradicionais, construídas em madeira sob palafitas. Algumas tinham jardins e portões amplos comuns em casas mais seculares, talvez pertencentes a uma antiga casta comerciante que hoje em dia havia sido eclipsada pelas grandes indústrias e corporações ou uma aristocracia decadente, um passado de Johto que estava sendo destruído aos poucos.
Os três adolescentes haviam parado em frente a uma grande casa rodeada por muros altos cobertos em hera kudzu. Uma árvore moribunda de salgueiro crescia acima do muro e os portões grandes de madeira e metal estavam abertos. O Meowth que acompanhava-os saltou o muro e os três foram logo atrás, talvez o barista realmente estivesse certo quanto às origens daquele gato.
Assim que adentraram Lyra viu um grande jardim abandonado e em ruínas, ervas daninha cresciam descontroladamente junto da hera kudzu que alastrava sobre tudo cobrindo com seus ramos, até mesmo o lago artificial estava verde-escuro com lodo e algas.
Haviam estátuas de diversos Pokémon pelo jardim, alguns ela conhecia como Gyarados, Ninetales e Pidgeot, já que eram Pokémon extremamente populares entre treinadores, mas uma intrigou-a. Era a estátua de um Pokémon bípede com asinhas diminutas nas costas, a cabeça era pontiaguda com três protuberâncias no topo e um pescoço longo além de bracinhos curtos. O Pokémon era lindo, ela tinha que pegar a Pokédex ao menos para saber mais informações.
Togetic, o Pokémon Felicidade. Tipo Fada e Voador. Não há registro de Togetic selvagem na natureza. É dito que aparecerão diante daqueles que possuem um bom coração e irá despejar felicidade em forma de uma penugem brilhante chamada “poeira de alegria”. Pode flutuar no ar sem a necessidade de bater suas asinhas.
— É um Pokémon muito bonito — comenta Lyra.
— Realmente, uau — diz Luca segurando o ovo dentro da cápsula encubadora, Lyra conseguia ver o ovo sacolejando um bocado dentro do objeto. — Nunca tinha visto um Pokémon assim antes.
— É por que a população deles foi extinta durante a guerra em Johto — comenta Kousei. — Antes eles eram vistos, mesmo que raramente, pelas montanhas de Johto. Meu tio-avô já me falou desses Pokémon antes…
— Oh… — Luca parecia um pouco decepcionado com aquele bocado de informação.
— É um pouco triste — disse Kousei. — Em Galar eles ainda são vistos.
— Galar? Mas seu nome não é galariano — notou Lyra. — Você é de lá?
O garoto ficou com o rosto avermelhado, os olhos dourado-iridescentes arregalaram e depois desviaram dos de Lyra. Kousei mordeu o canto do lábio em nervosismo.
— Eu estudo em Galar… — ele respondeu. — Junto com meus irmãos. Minha família acha melhor a educação lá fora que aqui em Johto…
— Seus pais devem ser ultra-mega-blaster-ricos se eles podem pagar para você estudar no exterior — comenta Luca.
— É… Eles são… — comentou brevemente. — Hã… Alguém viu o Meowth?
Os outros dois assentiram que não com a cabeça, o Pokémon gato havia desaparecido no jardim, não havia nem um sinal dele a vista. A garota apertou o passo e virou-se, caminhando em linha reta em direção à casa abandonada metros a frente. A casa estava tomada pela vegetação abundante e tinha um cheiro pungente de mofo e poeira que irritava o nariz de Lyra. Meowth só poderia estar ali dentro.
— Que sinistro… — comenta Luca. — A gente vai entrar ali mesmo?
— Não temos muita escolha, né? — o garoto de cabelos azuis deu um riso nervoso.
— Nope — negou Lyra.
Os três então adentraram a casa abandonada, apesar do medo vigente em suas faces. Lyra chamou pelo Pokémon gato, mas ele não parecia em nenhum lugar onde ela poderia vê-lo.
O interior da casa ainda era decorado, tendo várias pinturas sujas e vasos onde apenas restavam flores mortas e ressequidas. Teias de Spinarak e musgo abarrotavam as paredes manchadas de infiltração. Tudo naquele local indicava abandono, mas nada que parecesse tanto tempo assim, Lyra supunha que talvez aquele local estivesse daquele jeito fazia cinco ou seis anos no mínimo.
Os três adentraram mais a fundo na casa, nenhum sinal do Meowth estava visível. Logo eles chegaram em um quarto ali no andar de baixo. Era um quarto simples que talvez tinha pertencido à uma menina já que havia uma casinha de bonecas e uma decoração em tons pastéis por baixo de toda a sujeira. Sentado em uma cama coberta por um dossel puído estava Meowth que observava uma fotografia na mesinha de cabeceira.
Lyra se aproximou e pegou o porta-retrato, era de uma garota que parecia ter por volta de seus oito ou nove anos. Os cabelos eram castanhos e presos em um par de marias-chiquinhas e estava abraçada ao Meowth, logo atrás estavam os pais da menininha. Atrás do porta-retrato estava uma Pokébola preta e dourada, uma daquelas caras que Lyra apenas via em vitrines de lojas e prateleiras de konbini, uma Bola Luxuosa se ela não estava enganada e ao lado da Pokébola havia um medalhão de prata com um pequeno broche entalhado.
— Essa era a sua casa? — ela se sentou ao lado de Meowth que olhou triste para a fotografia e depois para Lyra. — Você me seguiu por que achou que eu era ela?
O gato miou.
— O que aconteceu aqui, você sabe dizer? — perguntou ela mais uma vez, talvez o Pokémon nem saberia responder.
O felino saltou da cama e os três adolescentes correram atrás dele até outro cômodo. O Meowth levou-os à um banheiro abandonado e saltou até a banheira e com as patas abriu o registro de água e deixou que a banheira se enchesse até começar a transbordar pelo piso já ruído do banheiro, Lyra ainda não entendia, mas o gato miou e Luca olhou direto para ele.
— Houve uma enchente aqui — fala o garoto como se entendesse o que o Meowth havia dito com um mero miado. — O rio transbordou e levou essa parte da cidade, por isso aqui estava condenado.
— Isso parece tão óbvio agora que você está falando — Kousei espalma a testa. — Mas a família que morava aqui, será que ela… Será que eles…
— Acho que não — disse Lyra tentando se manter positiva. — Talvez eles deixaram aqui às pressas e esqueceram Meowth para trás… É o que eu quero pensar…
Lyra se aproximou do Meowth e pegou a Pokébola que estava na mesinha de cabeceira momentos atrás e apontou para o felino branco-creme, mas antes que ele pudesse ser retornado para a esfera a garota sentiu um frio percorrer a espinha como se toda a temperatura ao redor tivesse despencado uns dez graus ou mais.
A água que transbordava da banheira começou a cristalizar em gelo. Lyra pegou Meowth em seus braços e abraçou-o, ele tremia de frio. Ela olhou para os amigos e eles também pareciam estar congelando. Das sombras aos pés do trio e da sala semi-iluminada algo emergia, uma silhueta assombrosa emergia do chão e tomava uma forma composta apenas por uma cabeça e duas mãos desconexas, um cheiro nauseante de algo em putrefação acompanhava aquela criatura que surgia.
Mesmo com frio Lyra puxou a Pokédex do bolso do macacão e escaneou o que quer que aquilo fosse, talvez pudesse circunvir e enfrentar aquele Pokémon antes que atacasse-os.
Haunter, o Pokémon Gás. Fantasma e Venenoso. Na escuridão ele espreita por sua presa e com a sua longa língua ele lambe suas vítimas, drenando sua força vital. A vítima em questão apenas treme violentamente e anseia a morte chegar.
O Haunter materializou-se e olhou para o trio de adolescentes. A criatura observou Meowth e estirou sua língua e arregalou seus gasosos olhos, estendendo suas garras ectoplasmáticas na direção do gato que estava nos braços da menina. Lyra sacou uma de suas Pokébolas e arremessou seu Totodile na direção do fantasma.
— Totodile ataque com Water Gun!
O crocodilinho disparou uma forte rajada de água no fantasma que foi jogado contra a parede, atravessando-a, dando tempo para que os três fugissem.
A passos rápidos, os adolescentes saíram da casa em ruínas para o jardim, mas Haunter parecia persegui-los e junto dele vinha uma miríade de Pokémon redondos e gasosos, a pré-evolução de Haunter, um Pokémon que a enciclopédia eletrônica de Lyra havia reconhecido como Gastly. Os fantasmas estavam por todo o canto, não havia escapatória.
Lyra havia chamado também sua Dunsparce para ajudar a defender o pobre Meowth que parecia ser a próxima refeição do Haunter e sua enorme família de espectros. Kousei jogara seu Vulpix ali também para auxiliar no embate, mas haviam muitos Pokémon para atacar, sempre que um Gastly era derrotado e esvaia em fumaça de decomposição logo outro se formava.
— São muitos — fala Kousei.
— Não tenho como fazer nada — diz Luca se sentindo um pouco impotente carregando a cápsula encubadora. — Se ao menos eu tivesse um Pokémon comigo eu poderia ajudá-los.
— Temos que sair daqui logo! — exclama Lyra.
— Mas como? — pergunta o garoto cerúleo.
Meowth então saltou dos braços de Lyra e suas patas dianteiras envolveram-se em um ectoplasma roxo escuro e suas garras se estenderam e com um forte arranhão ele atacou Haunter e seus lacaios e pelo efeito parecia um golpe super-efetivo. Isso deu uma abertura para que o Totodile de Lyra pudesse disparar uma forte rajada de água contra os Gastly remanescentes e Dunsparce atacava rolando seu corpo serpentino, girando rápido como um carro em alta velocidade, até mesmo o Vulpix de Kousei contra-atacava com disparos de chamas que acendiam o gás do corpo dos Gastly, explodindo-os.
Após alguns rounds, todos estavam exaustos, apenas o Haunter permanecia de pé e não parecia tão cansado apesar de ter levado alguns Shadow Claw do Meowth. O fantasma era mais resiliente do que Lyra pensava, seria preciso mais do que alguns arranhões para que ele caísse.
O espectro então aproveitou-se dos Pokémon exauridos dos dois adolescentes e com as garras fantasmagóricas em riste ele estava pronto para deliciar-se nas almas e força vital dos seres vivos ali. Lyra podia quase sentir o toque frio do faminto predador, até Meowth parecia ter desistido de lutar contra, mesmo com os Gastly tendo sido expurgados, a ameaça maior continuava ali.
— Extrasensory! — alguém gritou.
Um Pokémon maior desceu em rasante, era um pássaro grande e marrom com garras afiadas e “chifres” feitos de plumas, era um Noctowl com olhos ferozes. A ave disparou uma onda de energia psíquica que fez o Haunter desmaterializar-se em gás púrpura, enfraquecendo-o, aquilo havia surpreendido Lyra e os demais que estavam paralisados demais para moverem-se.
Saltos de madeira bateram contra as pedras do chão e o tilintar de sinos acompanhava. Logo atrás vinha uma mulher em trajes brancos e vermelhos de uma sacerdotisa miko carregando uma haste de madeira revestida em laca com fileiras de pequenos sinos como os guizos dos pescoços dos Meowth no Café Scratch, aquilo era um kagura suzu, um instrumento usado em rituais e cerimônias, Lyra já havia visto muitas vezes no templo em New Bark quando ia com a avó.
A sacerdotisa chacoalhou o kagura suzu e o som dos sinos parecia atordoar o Haunter. Os Gastly nas redondezas se materializaram em esferas de gás violeta, eles também pareciam incomodados com o barulho. Noctowl circulou os fantasmas, reunindo-os ao redor do espectro-mor e seus olhos brilharam.
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por Imeko_san |
— Os espíritos devem ser expurgados — disse a mulher. — Esta área deve ser limpa de sua poluição espiritual. Meowth, faça o favor e traga paz ao seu lar.
O felino assentiu e saltou no ar. A moeda koban em sua testa brilhou e uma chuva dourada e prateada recaiu sobre os Gastly e Haunter atingindo-os em cheio, o som de moedas batendo contra o chão era bastante audível.
A sacerdotisa puxou um talismã de papel das mangas do seu kimono e caminhou em direção à horda de fantasmas, passando pelos três adolescentes com uma expressão calma e colou o amuleto na estátua do Togetic a poucos metros da casa e assim que fez isso todos os Pokémon do tipo Fantasma ali presentes evaporaram em fumaça roxa espessa e pútrida como se nunca estivessem ali.
— Não vão dizer nada? — perguntou a mulher. — Geralmente me agradecem depois de eu fazer um pequeno exorcismo como esse.
— Espera, isso foi pequeno?! — Luca parecia incrédulo. — Aqueles bichos estavam quase comendo nossas almas.
— Mas não comeram, não é? — ela deu uma pequena gargalhada. — Considerem-se salvos. A construtora me pagou para expulsar os Pokémon fantasmas daqui, trabalho simples, mas o mestre de obras me pagou muito, gente supersticiosa, sabe como é. Enfim, o que crianças como vocês fazem aqui? Não veem que o lugar está cheio de placas e avisos?
Lyra então explica toda a situação envolvendo o Meowth e suas origens, a sacerdotisa exorcista pareceu compreender acenando com a cabeça. Ela havia relatado tudo até terem chegado ao bairro de casas abandonadas e o ataque do Haunter.
— Uma aventura interessante vocês treinadores têm, hã — ela comenta coçando o queixo. — Mas eu desconfiava que uma hora alguém iria vir aqui e acolher este pequeno Meowth. Ele perdeu tanto e vivendo num local cheio de dor e sofrimento como esse chega a adoecer a alma, pobrezinho.
— O que quer dizer com isso? — pergunta Kousei.
— Pokémon do tipo Fantasma muitas vezes se manifestam em locais onde a dor e os ressentimentos se acumulam, eles se nutrem disso — explica a sacerdotisa. — Uma enchente arrasou esse local há uns cinco anos atrás já que o rio que corta a cidade transbordou e acabou tirando a vida de algumas pessoas e Pokémon, algumas famílias conseguiram evacuar, mas aqui têm estado inabitável desde então…
— Quer dizer que as pessoas e Pokémon que morreram aqui se tornaram Gastly e Haunter?
— Nunca se sabe — ela respondeu. — Há mais mistérios sobre o pós-morte do que há sobre a vida. Enfim, eu preciso informar ao mestre de obras sobre o exorcismo, me acompanhem, não posso permitir que fiquem aqui por mais um segundo. Toda essa energia negativa não faz bem à saúde do corpo e da alma.
A mulher então guiou-os até o lado de fora daquela zona interditada. Lyra carregou Meowth em seus braços, já a Bola Luxuosa, junto do medalhão e a fotografia estavam no bolso do macacão. Assim que o grupo deixou o local, a sacerdotisa olhou-os para uma última vez e disse:
— Espero não vê-los tão cedo em um local infestado com fantasmas tão cedo — ela disse. — Da próxima vez pode ser que eu não tenha muito tempo para dar uma de deus ex machina e salvá-los, me ouviram?
— Sim, senhora, hã… — Luca coçou a nuca. — Qual seu nome mesmo?
— Yotsuya Hinako, eu sou a guji do Grande Santuário em Ecruteak — se apresentou para eles. — Mas as pessoas costumam me chamar pelo meu primeiro nome, Hinako, ou Yotsuya-guji se quiserem ser formais.
— Obrigado por nos ajudar, Senhorita Hinako — Lyra fez uma curta reverência.
— É apenas, meu trabalho, garota — ela sorriu. — Que estranho, você me é familiar. Por acaso é de Ecruteak?
Lyra negou com a cabeça.
— Nasci lá, mas eu sou de New Bark — respondeu.
— Você me lembra uma mulher de lá que conheci anos atrás, mas deve ser apenas coincidência — disse a guji. — Bem, é aqui que me despeço. Adeus, crianças.
Lyra
De volta ao Centro Pokémon depois de uma longa aventura para saber mais sobre o felino e toda a coisa com o Haunter. Kousei havia se despedido e tanto Luca quanto Lyra ficaram esperando os seus Pokémon (e um ovo, no caso do garoto mais novo) voltarem do check-up com a Enfermeira Joy.
Pierce e Ren também pareciam ter tido sua dose de adrenalina e serotonina naquele dia assim como os dois e estavam esperando que os Pokémon passassem pelo checkup também. O quarteto trocava suas experiências e riam enquanto bebiam um bubble tea da lanchonete do Centro Pokémon acompanhada por uma caixa de donuts confeitados.
— E então o Ren atacou com o Houndour e… — contou Pierce.
— Eu dei um golpe super-efetivo e consegui capturar o Murkrow e o Pierce pegou a Pineco — continuou o moreno de cabelos fúcsias. — Dois Pokémon num dia só!
— Foi muito foda!
Lyra riu, pelo visto o treinamento dos meninos havia rendido algo tão divertido quanto o que ela, Luca e Kousei haviam passado. Antes que continuassem a história o som das rodas de um carrinho e dos sapatos da Enfermeira Joy interrompeu-os. A mulher de cabelos rosa flor-de-cerejeira apareceu logo atrás deles com um sorriso prazenteiro.
— Seus Pokémon já estão melhores — disse ela entregando a bandeja de Pokébolas para cada respectivo treinador. — E o seu ovo, Luca, ele está se mostrando bem saudável. Parece que ele chocará em duas semanas, então observe com mais cautela. E Lyra?
— Sim, Enfermeira Joy?
— O Meowth está melhor — ela disse entregando a Bola Luxuosa a garota. — Pude checar mais no banco de dados para saber se o seu treinador ainda está vivo ou se este Pokémon foi realmente abandonado e…
— E…? — o suspense preenchia a garganta de Lyra como um caroço de berry que havia entalado ali.
— Bem, legalmente este Meowth está sem treinador já que o sistema declarou-o como abandonado nestes últimos cinco anos — clarifica a enfermeira. — Porém a sua treinadora original ainda está viva e pelo que pude localizar, ela vive em Goldenrod, mas não há nenhum contato que eu possa fazer e bem, cabe a ela querer o Meowth de volta ou não.
— Então eu não vou poder ficar com o Meowth? — perguntou ela.
Seus lábios haviam murchado um pouco, ela queria que aquele Pokémon seguisse viagem com ela, depois de tanto tempo sozinho era o que ele merecia.
— Por hora é melhor que ele fique com você e seus amigos — disse a enfermeira. — Posso colocar o status dele como temporário em seu registro na Liga Pokémon, entretanto, você terá que entrar em contato com a treinadora original e informá-la se ela quer o Pokémon dela de volta, compreende a situação, não é?
A menina assentiu com a cabeça que sim. Era o certo a se fazer, mesmo que ela gostasse demais daquele Pokémon ele já tinha uma dona que o amava e nem sabia se o Pokémon estava vivo ou não, assim que ela chegasse a Goldenrod ela poderia entregar o Meowth e falar o que tinha ocorrido para a garota.
— Bem, o que pude puxar dos dados é que a treinadora original se chama Marina Christal — informa a Joy para a menina de cabelos castanhos. — Talvez o Centro Pokémon de Goldenrod possa te dizer com mais exatidão a respeito, mas até lá cuide bem desse Meowth, ele é um tanto especial.
— Eu cuidarei — ela aperta a Pokébola contra o peito próximo do coração.
— E ah, me lembrei agora — fala a Enfermeira Joy. — Falkner estará de volta a cidade em alguns dias, talvez pelo domingo ele retorne, se eu fosse você eu iria procurá-lo logo pela manhã para marcar a batalha, talvez consiga desafiá-lo de imediato se for o quanto antes possível.
Após dizer isso a enfermeira voltou a empurrar seu carrinho, retornando aos seus afazeres. Os três meninos olharam para Lyra que segurava a Pokébola de Meowth com olhos pensativos e suspirando, pensando numa despedida que ainda não havia chegado.
— Lily… — Ren havia tocado seu ombro, tirando-a de seu devaneio. — Não preocupa com isso do Meowth por agora, okay?
— Até Goldenrod é muito caminho a se andar — Luca tenta confortá-la. — E quem sabe a dona não queira devolvê-lo.
— Ou Meowth pode acabar se apegando a você e não querer ir — Pierce fala ainda segurando seu bubble tea. — Vamos focar na sua batalha de ginásio primeiro, depois você se preocupa com isso. É como meu irmão disse, Goldenrod é na casa do caralho, vamos ter tempo até lá.
— É, estão certos — ela assente. — Eu não deveria remoer tanto isso.
Mais tarde naquele dia algumas horinhas depois do jantar, Lyra e sua colega de quarto riam e conversavam das coisas que haviam acontecido durante o dia, parecia que Tomoki também tivera um dia e tanto e ela havia também capturado um Pokémon. Era bom trocar experiências com outros treinadores e Meowth parecia estar interagindo bem com outros Pokémon e gostava bastante de estar na companhia de Lyra.
Quando Lyra estava terminando de colar todas as fotos que havia tirado daquele dia em seu diário, depois de escrever sobre o dia cheio de hoje e se preparar para dormir alguém bate à sua porta, Tomoki tinha ido atender já que a outra garota estava ajeitando os futon para ambas poderem dormir. Na porta estava Kousei, os cabelos azuis estavam úmidos como se ele tivesse recém-saído do banho e ele usava uma regata preta e um par de shorts de tecido leve como pijama, Lyra encarou-o de onde estava e não pôde deixar de enrubescer.
— Nii-chan o que está fazendo aqui? — perguntou Tomoki, agora que Lyra estava vendo podia perceber o quão parecidos entre si os gêmeos eram.
— Eu só vim, hã… — ele coçou o pescoço e puxou algo do bolso do shorts do pijama. — Entregar isso para Lyra. Ela deixou cair lá na casa abandonada quando estávamos explorando mais cedo.
— Entregar o quê? — pergunta a menina se levantando do futon.
— Podemos conversar lá fora? — ele devolve a pergunta. — Acho melhor conversar com você no corredor. Nee-chan, você poderia, hã?
— Claro, claro, vão lá — a gêmea acenou com a cabeça. — Eu termino de arrumar o quarto.
Os dois adolescentes saíram do quarto e foram para o corredor para um lugar mais afastado perto da balaustrada da escada que levava ao próximo andar. Lyra só tinha percebido depois que ainda estava com a câmera polaroid no pescoço, mesmo tendo carregado-a o dia todo, só notando sua presença quando ela quase caiu, mas Kousei a pegou rapidamente, entregando para ela. Houve um breve silêncio entre Lyra e Kousei, ambos não conseguiam encarar um ao outro nos olhos e tanto ele quanto ela estavam com rubor presente nas bochechas.
— O que você queria me entregar?
— Isso… — ele tirou algo do bolso da calça e colocou algo nas mãos dela, era um de seus brincos em formato de estrela, ela nem tinha percebido que tinha perdido um deles, mas tocou no lóbulo esquerdo e percebeu que ali apenas estava o furo, nada do brinco. — Você deixou cair e eu vi, mas queria te entregar depois já que estava ocupada com o Meowth e tudo mais.
O rosto dele estava vermelho, seus olhos evitavam encontrar com os de Lyra.
— O-obrigado… — ela disse enquanto tirava o brinco da outra orelha. — Eu não sei o que eu faria se eu tivesse perdido os dois brincos. Eles são muito importantes para mim.
— E-eu não sabia…
— Esses brincos são a única coisa da minha mãe que eu tenho — ela fala segurando ambos nas mãos. — Obrigado por ter encontrado, Kou-kun. Posso te chamar de Kou-kun?
— Po-pode? — ele gaguejou, sem reação, os olhos se arregalaram e as bochechas ficaram mais vermelhas ainda.
— Obrigado de novo, Kou-kan — ela deu um abraço nele e o garoto havia travado por alguns segundos antes de devolver o gesto.
— Não há de quê — respondeu após soltarem-se do abraço. — Era o certo a se fazer, Lyra. Posso te fazer uma pergunta?
— Sim, pode sim.
— Por que você leva essa câmera com você? — perguntou ele apontando para a polaroid. — Eu notei que você estava com ela o dia todo e… sei lá, eu não entendi…
— Oh — ela olhou para o objeto pendurado em seu pescoço. — Minha professora me deu e… ela me incentivou a sair da minha zona de conforto e descobrir quem eu sou, escrever um diário e tudo mais.
— Tipo hoje quando você quis saber mais sobre Meowth e resolveu acolhê-lo? — indagou o menino de cabelos azuis.
— De certo modo sim — ela deu um sorriso, ela sentia uma sensação de formigamento dentro de si. — Foi bom ter ido mais a fundo e descobrir mais sobre o Meowth e… bem, apesar de quase termos sidos comidos até a alma por um Haunter, mas foi divertido estar com o Luca e com você.
O garoto sorriu de volta para ela.
— Eu nunca teria conseguido experienciar isso se não fosse por você — fala ele. — Espero ter outras aventuras com você, Lyra.
— Eu…. eu também… — as palavras travavam em sua garganta, por que de repente ela estava agindo desse jeito com esse garoto que ela conhecia a menos de um dia? — Kousei? Kou-kun? Eu… Posso tirar uma foto sua?
O garoto olhou-a e assentiu com a cabeça. Ele apoiou-se na balaustrada como se estivesse em um evento chique, embora estivesse de pijama e meias ali no corredor do Centro Pokémon, ele tinha certo ar régio que ela esperaria de alguem anos mais velho que Kousei.
Click. A polaroid fotografou e logo a foto se imprimiu, Lyra tirara uma segunda e depois uma terceira, entregando a última para o garoto que olha para ela e depois devolve o olhar para Lyra e diz:
— Você é uma ótima fotógrafa — ele disse. — Vai colocar essa foto em seu diário?
— É a intenção, quero colocar fotos das pessoas e Pokémon que conheço — disse ela. — Dos lugares que vou. Das coisas que faço e farei. Bem, eu não sei se vamos nos cruzar de novo, então fique com a foto.
Ela deu um sorriso largo, o garoto retribuiu, segurando a foto em suas mãos.
— Bem, se for assim, não sei até quando você vai estar na cidade, mas…
Antes que o garoto pudesse falar algo, passos foram ouvidos na direção, fazendo os dois virarem de supetão. Em um penhoar rosa por cima de uma camisola longa branca estava a Enfermeira Joy que segurava uma caneca de chá que fumegava. Ela tinha uma expressão sonolenta, talvez tivesse tido um plantão bastante longo e com poucas pausas.
— O que estão fazendo fora de seus quartos? — perguntou a enfermeira. — O toque de recolher já passou, são dez e meia da noite, deixem para ficar de namorico e paquera pela manhã, cada um para seus dormitórios. Vão, vão, vão!
A enfermeira enxotou-os, olhando de soslaio para os adolescentes como se desconfiada de algo. Lyra sentiu as bochechas arderem e olhou para Kousei que estava tão vermelho quanto.
— Bem, te vejo amanhã… ou outro dia, sei lá — fala o garoto segurando a foto. — Boa noite. Dorme bem.
— Você também.
Ela virou-se e foi em direção ao quarto em seu dormitório, tinha sido um dia longo e amanhã pela manhã ela tinha uma batalha de ginásio, sua primeira de oito, ela tinha que dormir um pouco.