Lyra
Rota 30
Sábado, 30 de abril
A Rota 30 era uma grande campina com colinas e árvores se estendendo para além da autoestrada, aquilo com certeza merecia uma fotografia para o diário, mas no momento Lyra estava absorta demais no que acontecia diante de seus olhos: uma batalha Pokémon, ao vivo, a cores e tão palpável que ela sequer podia acreditar no que via à sua frente.
— Gligar ataque com Knock Off — ordena Pierce para o escorpião-morcego.
Logo à frente do morcego aracnídeo, estava um Pokémon mamífero marrom parecido com um tanuki com longas orelhas e uma cauda anelada, além de possuir um círculo na barriga, se tratava de um Sentret, um Pokémon bastante comum naquelas vizinhanças. Lyra pegou a Pokédex e apontou para o Pokémon.
Sentret, o Pokémon Escoteiro. Tipo Normal. Ele fica de pé na ponta da sua cauda para avistar melhor seus arredores, se caso vir um inimigo ele gritará alto para avisar os da sua espécie sobre o perigo.
O tanuki e o escorpião-morcego digladiavam, trocando golpes e ferroadas, Pierce parecia obstinado naquela batalha, enquanto Lyra apenas assistia aquilo de camarote sentada em um tronco caído na beira da estrada. Eles tinham saído de Cherrygrove à uma hora, eram cerca de quatro e meia da tarde e a fazenda do avô de Pierce parecia um pouco longe de onde estavam atualmente, mas eles não estavam com pressa, ainda tinham um longo percurso.
— Desvie, Gligar! — disse o rapaz.
— O Pierce realmente é um ás nas batalhas — comenta Lyra observando tudo.
— Bem, ele tem treinado muito desde o ano passado para participar da Batalha da Fronteira — comenta Ren de volta — Ele quer muito competir nisso, ele quer ser o primeiro a conquistar a Fronteira em menos de um ano.
— Por quê? — pergunta.
— Se quiser saber, é perguntando para ele, não para mim — diz Ren — Mas na minha mais sincera opinião? Ele pode conseguir, ele é insistente.
— Dá para ver — ela voltou seus olhos para o campo de batalha improvisado na campina.
Pierce já havia debilitado o tanuki, Lyra nem havia percebido, ele era tão hábil batalhando que em poucos minutos já havia incapacitado o Pokémon com o qual estava batalhando. Ele puxou do bolso uma Pokébola, apertando o botão no centro para deixá-la maior e com a mira de um arremessador em um jogo de beisebol ele jogou a esfera bicolor contra o Pokémon, capturando-o.
A esfera mexeu-se uma, depois duas, depois uma terceira vez e click, captura concluída.
— E é assim, senhorita e senhores que se captura um Pokémon — ele fez uma breve reverência — Bem-vindo ao time, Sentret.
Ele abriu a Pokébola e dela saiu o tanuki, apoiado em sua cauda. O rapaz pegou algo em sua mochila e ofereceu ao pequeno Pokémon, era uma fruta Oran a qual ele mastigou em questão de instantes, recuperando os pontos perdidos após aquela batalha ferrenha.
— Bem, agora dá para a gente seguir até o vô? — indaga Luca com o seu skate em baixo do braço — A gente não andou quase nada e falta um montão de caminho pela frente.
— Se for pra reclamar pode dar meia volta, Lucky — diz Pierce.
— Eu não tô reclamando, Farigiraf Pigmeu! — Luca revirou os olhos — Só estou dizendo que a gente não andou porra nenhuma, o vô mora do outro lado da rota e nem sinal da fazenda dele ainda, logo vai escurecer e a gente ainda nem moveu.
— Ele tem razão — comenta Ren — São quatro e meia, seu avô mora há uns quarenta minutos daqui se eu não estou enganado, então se a gente quiser chegar lá antes do sol se pôr é melhor a gente começar apertando o passo.
— Pior que é — disse o mais alto após um prolongado suspiro — Mas acho que conseguimos chegar lá mais cedo se a gente tomar um atalho.
— Um atalho? — perguntou Lyra. — É seguro isso?
Não tinha sido seguro. O quarteto tinha andado por uns vinte e cinco minutos aproximados por um caminho fora da estrada de terra que delimitava a rota e em algum ponto Ren havia prendido o pé em uma pedra e reclamara do peso da mochila, fora o fato de que eles se embrenharam em um arbusto espinhoso que acabou deixando eles com alguns arranhões feios e Lyra acabara com alguns galhos presos no cabelo, mas no fim eles tinham chegado à uma propriedade cercada onde inúmeros Pokémon corriam livres.
Moinhos de vento e um riacho delimitavam a propriedade junto com um penhasco alto, bem ao fim de um caminho de terra batida havia um casarão pintado em azul onde na varanda um homem de idade usando terno e chapéu parecia aguardar eles. Pierce e Luca correram na frente e Lyra fora logo atrás com Ren que lerdava um pouco em seus passos já que era quem carregava mais coisas.
Ao chegar na varanda da casa, o senhorzinho exibiu um sorriso por trás do bigode, ele parecia estar feliz em ver os netos e os amigos, ao lado dele estava um Pokémon pássaro alto e esverdeado que olhava fixamente para o horizonte do guarda-corpo da varanda, era a evolução de um Pokémon que ela via todos os dias em casa, um Xatu. Talvez idosos gostassem da companhia desta linha evolutiva.
— Vovô! — Pierce deu um abraço no senhor que retribuiu.
— Vô-drasto! — exclamou Luca também abraçando o avô.
— É tão bom ver vocês — disse o homem, sua voz era cálida e carinhosa — E trouxeram amigos. Você é o Rei, não é?
— Ren, senhor — corrigiu o de cabelos fúcsias.
— Lembrarei disso — ele gargalhou — E oh, você trouxe mais alguém consigo, chegue mais, minha querida, o velho Mr. Pokémon aqui não machucaria nem um Caterpie, se apresente.
— Hã… Meu nome é Lyra — disse ela para o idoso que sorriu.
— Que nome bonito, aposto que seus pais pensaram nele com muito carinho — disse ele — Venha vamos entrar, aposto que estão cansados de terem andado até aqui.
— Cansado é pouco — disse Ren retirando a mochila e o case da guitarra das costas — Eu preciso de um banho!
— E eu estou morrendo de fome — suspira Luca.
— Então entrem e se acomodem, tirem os sapatos e coloquem as mochilas nos quarto — disse Mr. Pokémon — Vou começar a fazer o jantar.
Joey
Rota 30
Domingo, 1 de maio
Só naquele domingo Joey e seu Rattata já tinham derrotado cerca de oito treinadores na Rota 30. A maioria eram treinadores que estavam saindo de Cherrygrove rumo a Violet após o concurso de ontem, tinha sido mel na chupeta, uma boa experiência para Rattata que parecia vivaz com aquilo. Aqueles treinadores eram fracotes, isso tinha sido um ótimo treino para o ginásio de Violet.
— Hehe, vamos ser os tops dos tops, Rattata! — se gabou para o roedor arroxeado.
Com os cotovelos para cima e as mãos atrás da nuca, ele caminhou com toda a confiança pela Rota 30, ele havia conseguido um bom dinheirinho daqueles molóides e já poderia comprar mais Pokébolas e poções antes de tomar viagem para a cidade de Violet. O frescor das apricorn verdes e das árvores carregadas de berries, o vento carregado de pólen e o céu azul com nuvens algodoadas garantiam que o dia perfeito de Joey continuasse ainda mais perfeito que antes.
— Agora para onde eu vou? — ele coçou o queixo vendo uma bifurcação na estrada.
Ele sabia que a norte havia uma estrada de terra que levava para a Rota 31, mas também havia outra estrada que dava em uma fazenda de um velho cientista, mas agora Joey não sabia que estrada pegar. Qual caminho daria em Violet? Seria o da esquerda ou o da direita?
— Mamãe mandou eu escolher esse daqui… — ele começou a apontar para as estradas na bifurcação tentando escolher para qual iria — … Mas como eu sou teimoso eu vou escolher essa da- — ele apontou para o caminho da direita — -qui! É, vamos pela direita, Rattata!
Luca
Fazenda de Mr. Pokémon, Rota 30
Luca tinha acordado um pouco depois dos outros. Seu irmão e Lyra estavam nos jardins treinando, enquanto o seu avô estava ocupado analisando algo no laboratório enquanto Ren por sua vez estava na varanda afinando a guitarra, apenas a monotonia típica de um domingo, eles mal tinham começado a sair em jornada e já haviam parado no meio do caminho para fazer algo, no caso ficar um pouquinho na casa do avô antes de partir para o próximo destino, mas também não é como se eles estivessem com tanta pressa assim.
O garoto, ainda em seu pijama que consistia de uma regata e um par de shorts, caminhou até a cozinha e fez seu café da manhã sozinho, nada que ele não estivesse acostumado. Sentado à mesa, ele ligou a televisão e apenas assistiu o que quer que estivesse passando enquanto tomava café.
— Uma semana se passou desde que Sua Majestade Imperial, o Imperador Kamino, faleceu. O período de luto oficial da família já começou e em um mês acontecerá a coroação do próximo imperador — dissera a âncora olhando para a câmera. — O primeiro na linha de sucessão para o Trono Hinomoto, Príncipe Hiroyuki, afirmou que ele e a Família Imperial estão profundamente de luto durante estes tempos difíceis e que ele deseja viver de acordo com o legado de seu tio-avô e que deseja se reunir com os primeiros-ministros de Johto e Kanto, bem como o campeão da Liga Índigo, Lancelot Arondight, para discutir sobre ambos regiões futuras após sua coroação como o próximo monarca.
— Mas o que intriga o grande público é o paradeiro dos primos do próximo imperador que não fizeram uma aparição pública desde o enterro do tio-avô — disse o co-âncora. — Os príncipes Tenma e Minoru e sua irmã, a princesa Masako, foram vistos pela última vez em Cherrygrove quando o avião onde estavam fez um pouso emergencial. Fontes dadas diretamente da Agência Imperial, a Casa de Hinomoto, nos informou que os príncipes e a princesa passarão o período de luto imperial em uma das residências da família em Olivine e que não querem contato com o público até o período da coroação que deverá acontecer em junho ou julho.
Luca mudou de canal, ele não se importava muito com aquele tipo de notícia, mudou para um canal que passava algum filme, qualquer coisa era melhor que ver o noticiário falando de algo chato. Aliás, qualquer coisa era melhor que ver o noticiário àquela hora da manhã.
— Deve ser do caralho ser da realeza — disse o garoto dando uma outra mordida na torrada com cream cheese. — Eles vivem do bom e do melhor e não tem que se preocupar com nada, devem ter tudo de mãos beijadas.
— Oh, vejo que finalmente acordou, Luca — o avô de Luca tinha vindo em direção à cozinha, ele estava de jaleco — Quer vir comigo ao laboratório, acho que tem algo que queira ver.
— Ah, pode ser vô-drasto, não tô fazendo nada mesmo — disse após terminar de comer, limpando os farelos de torrada da regata.
— Acho que você vai gostar — ele disse.
Luca deu de ombros, não era como se ele tivesse tanta escolha assim, ele era o único sem algo para fazer e ajudar o avô no laboratório não seria de todo mal assim. Após terminar o café, ele seguiu o avô até o lado de fora da casa da fazenda e os dois seguiram colina acima até uma construção diferente onde cataventos eólicos giravam, ao longe Luca podia ver todo o tipo de Pokémon, ele de certo modo invejava seu irmão e os amigos por já terem um e ele não ter nenhum ainda, nem precisava ser um Lucario, poderia ser qualquer um.
Ao adentrar o laboratório, Luca viu o monte de coisas que o avô tinha, ele sabia que muitos treinadores e treinadoras deixavam seus Pokémon em seu laboratório pelo sistema moderno de armazenamentos criado por um nerd metido a prodígio chamado Bill, já que o professor responsável em Johto, Professor Elm, não tinha um laboratório com terrenos grandes o suficiente para suportar muitos Pokémon e bem, Mr. Pokémon já fazia isso anos antes de Elm sequer sonhar em se graduar na UniGoldenrod.
Em uma das mesas ao centro do laboratório havia um aparato feito de acrílico com partes metálicas, era uma incubadora, do tipo que se usava para transportar um ovo de um Pokémon para mantê-lo seguro e aquecido até que nascesse. Dentro da incubadora havia um ovo branco com polígonos em vermelho e azul, Luca nunca tinha visto um padrão como aquele antes, chegava a ser intrigante.
— Uau — ele se aproximou e tocou no acrílico, estava quentinho, abaixo em um pequeno mostrador havia a temperatura dentro da cápsula.
— Gostou? — indagou Mr. Pokémon logo atrás dele, olhando-o — Eu fiz uma incubadora mais automatizada, que mantém a temperatura do ovo constante e permite que o treinador acompanhe o chocamento do Pokémon bebê, é apenas um protótipo, mas acredito que servirá.
— Bem legal, vô-drasto — comenta Luca — Isso é o ovo de que Pokémon?
— É de um Pokémon que não é visto em Johto faz trinta anos — comenta o avô. — Eu gostaria de investigar, mas já estou muito velho e tenho muitas coisas a fazer pela fazenda para ficar vigiando um ovo então eu gostaria de saber se você poderia ficar com ele.
— Eu?! — ele arregalou os olhos. — Não. Nana-nina-não, vovô. Eu não conseguiria tomar conta de um ovo, dá pro meu irmão e me deixa ter um Pokémon de verdade.
Mr. Pokémon riu.
— Mas o ovo é um Pokémon de verdade — diz Mr. Pokémon — Apenas ainda não nasceu. Poderá ser seu Pokémon, mas você terá que ser responsável por ele.
— Eu não saberia cuidar de um ovo, vô-drasto — comenta Luca.
— Como pode saber se não tentar? Pode ser uma forma incrível de você criar um vínculo com um Pokémon desde o início — o velho cientista tenta convencer Luca — Sabia que a campeã de Sinnoh, Cynthia, ganhou seu primeiro Pokémon como um ovo? Pode ser o mesmo com você.
— Eu não sou a Cynthia, vô-drasto — disse ele.
— Nunca se sabe, haha — gargalha o idoso — Mas eu sei que conseguirá tomar conta deste ovo e trazer ao mundo um Pokémon que pode vir a te amar, eu confio em você, agora cabe a você confiar em si mesmo e em suas capacidades cuidando deste Pokémon.
— Tá! — ele revirou os olhos, não havia como discutir com seu vô-drasto e ganhar aquela briga, ele apenas aceitou o ovo.
— Sei que você e o Pokémon que nascerá deste ovo serão ótimos amigos.
Lyra
Fazenda de Mr. Pokémon, Rota 30
Lyra e Pierce estavam cansados após o treino. Totodile, Gligar e o recém-capturado Sentret dormiam num banco na varanda da casa da fazenda, enquanto os dois adolescentes observavam o céu de primavera com os Hoppip e Skiploom voando com uma leve brisa. Ren não estava longe dali com seu Houndour afinando a guitarra, era estranho ainda pensar que ela estava saindo em jornada com duas pessoas que ela mal conhecia, mas ela estava tentando o seu máximo construir uma amizade com os dois.
— Se continuarmos treinando assim acho que eu vou conseguir a insígnia de Violet facinho — brinca Lyra.
— Acho que você precisará de mais Pokémon para isso — riu Pierce — Tem um monte aqui perto na Rota, por que não vai?
— Tem certeza? — riu ela.
— Tem um monte de lugares para explorar nas redondezas, mais tarde você deveria ir — sugeriu Pierce — Mas por ora melhor a gente… Quem é aquele ali?
Lyra virou-se para onde Pierce apontava, era um garoto de shorts de camiseta acompanhado por um Rattata, ele parecia discutir com um entregador dos correios que sorria nervoso, o pobre coitado parecia estar só tentando fazer seu trabalho.
— O que é que está acontecendo? — pergunta Ren que também estava vendo o acontecido.
— Deixa que eu vou lá — diz Lyra, pegando Totodile em seu colo, e indo até as porteiras da fazenda.
A menina de marias chiquinhas, junto de seu crocodilinho, foi até a entrada da fazenda para averiguar melhor o que acontecia ali. O garoto de shorts parecia ter a idade do meio-irmão de Pierce, os cabelos escuros e bagunçados e o band-aid no nariz mostravam o quão despreocupado com tudo ele era e o Rattata ao seus pés só aumentava mais isso, o pequeno rato arroxeado estava tão descuidado quanto seu treinador. O entregador dos correios parecia querer sair dali o quão antes possível, mas o garoto parecia insistir com algo.
— Ei, o que está acontecendo? — perguntou Lyra com Totodile nos braços.
— Mora aqui, senhorita? — o entregador devolve a pergunta para ela, era visível as gotículas de suor formando-se em suas têmporas.
— Ei, ei, ei, não tenta fugir da batalha não, moço! — o garoto puxou o entregador pela manga da camisa — Nossos olhos se encontraram, você tem que batalhar comigo aqui e agora!
— Garoto eu já disse que eu não tenho um Pokémon comigo e mesmo se eu tivesse um eu estou no meu expediente! — reclamou o entregador — Não estou aqui para brincar com um pivete, estou trabalhando.
— Não desvia da batalha, moço, é a regra dos treinadores: quando os olhos se encontram, uma batalha deve acontecer!
— Hã, eu estou aqui — disse Lyra — Você tem algum semancol, garoto? O moço quer entregar a encomenda.
— Ih, num vem não, que a conversa não chegou ao chiqueiro não, o meu lance é com o moço aqui — disse o menino do Rattata — Eu sei que ele tem um Pokémon e ele vai ter que batalhar comigo.
— Não, ele não vai — àquela altura Lyra havia se irritado com aquele menino chato, será que ele não havia entendido o que o moço havia dito de estar trabalhando e não estar com nenhum Pokémon consigo — Você vai batalhar comigo! Aqui e agora!
— Ah, eu não vou não — reclamou o garoto — Garotas não são boas oponentes, elas nem gostam de batalhas, só de Pokémon frufru e bonitinhos, você não conseguiria vencer o meu Rattata top dos tops com esse Totodile mimado seu.
— Eu não recebo o suficiente para isso — o entregador massageou as têmporas — Vou deixar o pacote aqui, qualquer coisa um de vocês entrega para o Mr. Pokémon, eu tenho outras entregas a fazer.
E o entregador saiu dali, deixando o pacote na cerca e indo em direção à sua van no pé do morro, deixando Lyra e o garoto irritante e seu Rattata sozinhos ali na entrada da fazenda. O menino frustrado chutou o chão levantando poeira e olhou para Lyra com raiva.
— Você fez meu oponente fugir!
— Ele nem era seu oponente, só um entregador fazendo seu trabalho — argumentou Lyra — Nem todo mundo quer batalhar com você e o que Giratinas você está fazendo aqui na fazenda do Mr. Pokémon? Foi convidado por acaso?
— Eu faço o que eu quiser, sua altona perna de Dodrio — disse ele insultando Lyra que arregalou os olhos e se segurou para não devolver o insulto daquele moleque insolente. — E se você quer uma batalha, então vamos ter uma batalha, já que você fez o moço ir embora!
— O que está acontecendo? — perguntou Pierce que chegava para ver o que acontecia.
— Vocês estão gritando tão alto que dá para ouvir da varanda — diz Ren.
— Esse menino estava importunando o entregador que estava tentando entregar esse pacote para seu avô — explicou Lyra — Ficou tentando insistir em ter uma batalha com ele mesmo ele dizendo que não tinha um Pokémon e isso já estava ficando mega irritante.
— Mas ele tinha um Pokémon — contra-argumentou o menino com o Rattata — E é a regra oficial dos treinadores: quando os olhos de duas pessoas se encontram, uma batalha deve acontecer!
— E se a pessoa não quiser batalhar, como faz? — indaga Ren — Eu mesmo não curto batalhar, seria contra meu consentimento batalhar contra você.
— Que merda significa consentimento? — pergunta o garoto — O que seus sentimentos tem haver com você não querer batalhar?
— Ele é burrinho — Pierce sussurra próximo ao ouvido de Lyra — Aposto que o sol torrou os últimos dois neurônios dele.
— Ei, o que estão falando aí? Eu desafio você para uma batalha, altão! — apontou o menino.
— Não vai dar não — recusou Pierce.
— Não vai dar, por que a sua oponente sou eu! — diz Lyra intervindo e deixando Totodile saltar de seus braços — Não queria uma batalha? Aqui está a sua batalha! Totodile use Water Gun!
E mesmo que não tivesse estabelecido regras, um espaço para um campo improvisado nem nada, Lyra havia iniciado a batalha com seu Totodile saltando no ar e disparando uma rajada de água dando a mínima janela de oportunidade para o Rattata do garoto contra-atacar.
— Isso não se faz! — protestou o garoto — Rattata ataque com Tackle!
O ratinho deu uma investida corporal contra o crocodilo que sofreu com um pouco de dano, mas Lyra logo deu alguns passos para trás e ordenou o contra-ataque com Scratch desferindo um golpe com as garrinhas contra o rato.
A batalha prosseguiu assim pelos próximos minutos com arranhões e investidas, jatos de água e ataques rápidos, tanto Lyra quanto o menino insolente estavam dando seu máximo ali, mas parecia que um vencedor estava claro ali diante dos olhos deles.
— Use o Quick Attack, Rattata — disse o garoto. — Vamos provar que somos os tops dos tops!
— Desvie e finalize com Water Gun — ordenou Lyra.
O Rattata começou a correr a toda velocidade em direção ao Totodile de Lyra, pronto para desferir uma pancada corporal com aquele ataque, mas antes que o ratinho se aproximasse, o crocodilo saltou e de sua boca soltou uma forte rajada de água que molhou o Rattata, que pelo peso da água sobre seu corpo colapsou sobre o chão, ficando impossibilitado de contra-atacar.
— Não, não, não — o garoto caiu de joelhos ao ir de encontro com o seu Rattata que o olhava, ofegante. — Rattata, levanta, fica de pé e bate nesse Totodile, vai!
— Acho que ele não vai poder fazer mais nada — disse Pierce com as mãos no bolso do seu moletom — O seu Rattata tá debilitado e precisa de descanso e de curar-se.
— Não, ele não tá cansado — negou o menino — A gente derrotou oito treinadores hoje, ele não tem como estar cansado, a gente … A gente é o top dos tops, não tem como a gente ser derrotado assim por uma garota! Ela roubou!
— O que está acontecendo aqui? — perguntou uma voz, era a de Mr. Pokémon — Parece que teve um tufão aqui, está tudo bem?
Lyra pegou seu Totodile no colo e olhou para Mr. Pokémon e explicou o acontecido, sobre a encomenda que havia chegado cujo pacote ainda estava na cerca, sobre o menino e seu Rattata e a insistência dele em batalhar contra alguém que não queria uma batalha e a intervenção forçada de Lyra em começar uma batalha contra o menino, ela se desculpou e foi pegar o pacote para o cientista e entregou-o em mãos.
— Desculpa novamente, mas não me parecia certo alguém querer forçar outra pessoa a batalhar — disse ela para Mr. Pokémon — Apenas fiz o que achei certo e agi, se fosse comigo eu não iria gostar.
— Claro que não ia gostar, sua altona perna de Dodrio, você só sabe batalhar roubando! Humpf! — reclamou o garoto.
— A batalha parece-me que foi justa — disse Mr. Pokémon — Não podemos ser maus perdedores, meu rapaz e nem abusar de nossos parceiros Pokémon, eles também se cansam depois de muitas batalhas consecutivas sem uma pausa para recuperar suas energias.
— Mas ela roubou e é uma garota, garotas não são boas batalhando!
— Como é que é? — Lyra virou-se para Joey.
— Joey? O que você tá fazendo aqui? — alguém falou, interrompendo, era Luca, que vinha carregando uma incubadora nos braços — Taquipariu, o que você fez, hein, Joey?
— Ah não, o Lucky tá aqui — disse o garoto.
— Espera, você conhece ele? — Pierce virou-se para o meio-irmão incrédulo.
Lyra e Ren pareciam surpresos, Luca parecia conhecer aquele menino do Rattata e até bem demais para saber das atitudes dele.
— Ele é da minha sala — disse Luca — Só abre a boca para despejar merda, é só não dar atenção que ele para, mas vocês deram atenção e agora é tarde demais. Taquipariu, Joey.
— Não vamos começar uma briga. Venha, hã, Joey, vamos levar seu Rattata para dentro para recuperar-se — interveio Mr. Pokémon que parecia querer evitar um conflito a todo custo — Lyra, o que você fez foi o certo, mas por agora descanse você e seu Totodile também. Venham, o almoço está quase pronto, precisarei de ajuda para colocar a mesa e lavar a louça.

Ren
Fazenda de Mr. Pokémon, Rota 30
Os quatro adolescentes olhavam para Joey que estava na varanda com seu Rattata. O almoço havia sido silencioso, ninguém exceto Mr. Pokémon quis ficar perto daquele garoto irritante, todos por algum motivo, Luca por que já conhecia a peça muito bem, Lyra por todo o sexismo descarado e cru vindo do garoto, fora o fato de que ele parecia querer batalhar com tudo que se movia, ignorando o bem-estar de seu parceiro Rattata, e bem, Pierce estava do lado de Lyra e Ren não parecia muito diferente disso.
— Por que ele tem que ficar aqui? — indaga Ren — Não dá para enxotar ele daqui?
— O vovô não vai deixar — Pierce suspirou — E ele insiste em querer batalhar com todos nós, ter perdido pra Lyra acabou mexendo com ele.
— O garoto é um pé no saco — disse Lyra — Ele mereceu perder, você ouviu o que ele disse de mim?
— É só ignorar! — gritou Luca do outro lado da sala, ele ainda olhava para o ovo na incubadora como se quisesse que aquilo chocasse o quanto antes — O Joey tem um QI de 3, o cérebro é liso igual um peito de Doduo.
— Ele está certo — disse Lyra se levantando do sofá — Eu vou sair para capturar algum Pokémon, quero me preparar melhor para o ginásio de Violet. Logo eu volto.
— Tente não se afastar muito — aconselha Pierce — É muito fácil de se perder se você não sabe por onde vai.
— Pode deixar — Lyra pegou sua bolsa e com Totodile saiu pela porta.
Pierce também saiu, indo em direção ao andar de cima, para o quarto, ele iria tirar uma breve sesta antes de retomar o treinamento com seu Gligar e Sentret, já que os Pokémon também precisavam de descanso, deixando apenas Ren e Luca ali, mas até mesmo o meio-irmão de Pierce havia saído dali com sua incubadora para outro canto.
Ren também resolvera que precisava fazer algo, a monotonia de um domingo combinado com o primeiro dia deles na estrada parados em um lugar ainda familiar só aumentava mais a sensação de tédio, talvez tivesse algo para ele fazer. Ele já tinha afinado a guitarra e seu Houndour estava agora deitado sob um facho de sol, ele não queria incomodá-lo então apenas restou ao garoto a pegar um daqueles mangás que havia comprado ontem no bazar durante o concurso na barraquinha de Ruka, ele mal tinha começado o primeiro volume.
Ele foi até o quarto de hóspedes no andar debaixo e abriu a sua mochila, ler um pouco seria uma boa para passar o tempo enquanto nada de fato acontecia. Abrindo a mochila ele pegou o mangá de Prestidigitation, mas percebera que ao invés dos cinco volumes que ele havia comprado ali haviam apenas quatro, o primeiro volume, o qual ele estava lendo não estava ali.
Ho-Oh sagrado, será que ele havia deixado em casa? Ele suou frio, sentiu o coração entalar na garganta, ele revirou a mochila e retirou tudo e não encontrou nada ali, o volume um do mangá não estava ali.
— Não se desespera, Renato — ele respirou profundamente tentando manter a calma. — A mamãe não mexe nas minhas coisas, ela acha tudo uma tranqueira e…
Ping!
Uma notificação em seu PokéGear, era do aplicativo de mensagens, geralmente ninguém mandaria mensagem para ele num domingo após o almoço. Sua mãe detestava se comunicar por mensagens, preferia ligar para ele e bem, Pierce, Lyra e Luca estavam ali então não havia nenhuma necessidade para que eles mandassem-no uma mensagem. Ele pensou em quem poderia ter mandado-o uma mensagem. Será que eram os meninos da equipe de natação? Nah, eles sabiam que Ren estava em jornada. Talvez Kara? Mas não parecia provável, ela havia saído de viagem ontem bem antes dele e talvez estivesse já em Violet.
Ele desbloqueou o celular e viu de quem era a notificação, era de um número desconhecido. O garoto arqueou as sobrancelhas, quem é que poderia ter seu número e não ser alguém do seu grupo de amigos e colegas da escola.
Número desconhecido:
Oi — 1:33PM
Perdão atrapalhar — 1:33PM
Aqui é o Min — 1:33PM
Do concurso — 1:34PM
A Kara me passou seu número — 1:34PM
Ren? — 1:34PM
Aquilo parecia muito improvável para não falar que era um trote maldoso, talvez feito com um número falso e possivelmente uma brincadeira de Pierce, não tinha como um idol do calibre de Min ficar papeando no celular tão casualmente assim, ele deveria estar, sei lá, praticando alguma coreografia, compondo, treinando, estudando, coisas de idol.
Ren:
Como eu sei que é você msm? — 1:37PM
Pierce para de pegadinha — 1:37PM
Sei que é vc — 1:38PM
Número desconhecido:
Espera, vou te convencer que sou eu — 1:38PM
Vc deixou isso aqui cair no bazar ontem — 1:38PM
Logo em seguida ele enviou uma foto e Ren quase deixou seu celular cair, na fotografia ele estava segurando o primeiro volume de Prestidigitation e sorria. O garoto não sabia onde se enfiar depois de ver aquilo, o que ele pensaria de Ren depois daquilo. Claro que Min estava imaginando ele como um fudanshi nojento como aqueles que iam em convenções de animes, mangás e doujinshi que não podia ver dois garotos em cosplay de seus personagens favoritos interagirem que já os shippava loucamente ou pior, ele o veria como… como um cara pervertido ou… Céus, ele nem queria imaginar o que poderia estar passando na cabeça do idol.
Ele gelou instantaneamente, cada um dos seus ossos, o sangue nas suas veias, os seus próprios átomos pareciam estar sólidos, parados em suspensão, ele não queria ver as próximas mensagens, mas mesmo assim segurou firme o celular e olhou para o aplicativo de mensagens.
Número desconhecido:
O mangá é legal — 1:44 PM
Eu gostei dos personagens — 1:44PM
O mágico é um tanto… — 1:45PM
Ele é convencido, mas n parece uma pessoa ruim — 1:46PM
Nunca tinha lido um boys’ love antes — 1:46PM
Smp via, mas nunca comprei, sabe, por medo de acharem que sou… — 1:46PM
Ren:
Fudanshi? — 1:46PM
Número desconhecido:
Gay — 1:47PM
Mas a história é fofinha — 1:47PM
Eu devorei tudo no trem — 1:48PM
Cheguei em Goldenrod e fui para a primeira banca comprar os outros volumes — 1:49PM
Eu deveria ter lido um boys’ love antes — 1:50PM
Tem outros para me recomendar? — 1:50PM
Ren engoliu em seco. Era sério aquilo? Um idol que ele conheceu literalmente ontem (lê-se: trombado) estava lendo um mangá BL que ele havia deixado caído para trás e agora queria mais recomendações, ele não conseguia acreditar no que acontecia diante de seus olhos. Ele começou a digitar alguns nomes de alguns mangás, áudio-dramas e novels para Min que pareceu interessado no que Ren falava.
Número desconhecido:
Vou comprar ou baixar esses — 1:53PM
Aliás, eu quero te devolver o primeiro volume de Prestidigitation — 1:53PM
Onde vc está atualmente? — 1:54PM
Ren:
Atualmente? — 1:55PM
Na rota a norte de Cherrygrove — 1:56PM
Eu e meus amgs estamos indo para Violet — 1:56PM
Número desconhecido:
Então está combinado — 1:57PM
Irei te encontrar em Violet em duas semanas — 1:58PM
Devo ter um espaço vago na agenda — 1:58PM
Topa um date no Scratch Café? Eu pago — 1:58PM
Um date como amgs, quero saber mais sobre BL vindo de um especialista — 1:59PM
Pode ser? — 1:59PM
Um date? Ele arregalou os olhos e ar escapou das narinas, ele estava tão fora de si que apenas escreveu sim e esperou a resposta de Min e deitou na cama e sentiu seu corpo formigar, um de seus idols favoritos havia chamado ele para um date para conversar sobre BL. Okay, okay, era um date de amigos, mas já era algo e com um cara famoso como Min que havia encontrado um espaço na agenda apertada dele como um idol, cantor, compositor, rapper e dançarino para se encontrar com alguém como ele. Ele se sentia como num dos seus muitos mangás favoritos, empolgação pulsava por suas veias e seu rosto ardia e algo em seu estômago remexia, era uma sensação tão estranha, mas boa ser notado por alguém que ele admirava e gostava.
— Eu vou num date com Choi Min-ho! — ele sorriu bobo de orelha a orelha — Eu vou num fucking date com Choi Min-ho!!!
Lyra
Rota 30
Lyra não havia achado nenhum Pokémon interessante até então e se tinha achado ele havia fugido dela ou ela havia errado na hora de atirar a Pokébola, havia sido um tanto frustrante. Ela e Totodile tinham ido mais a norte, mas não longe demais da fazenda do Mr. Pokémon, o céu estava começando a tingir de rosa e laranja, ela supunha que deveria ser por volta de quatro da tarde.
Ela tinha parado perto de um arbusto e sentado em um tronco caído, Totodile estava deitado perto dela, aproveitando um restinho de sol enquanto a menina tirava uma selfie com ele, ela faria uma colagem no diário depois, mas ela queria ao menos achar um mísero Pokémon que não fugiria dela ou escaparia das Pokébolas. Por falar em Pokébolas ela só tinha apenas duas, ela não poderia gastar em vão, ela tinha de achar um Pokémon e para já.
— Como se alguma coisa fosse aparecer do mato assim do nada — ela suspirou.
Antes que pudesse falar mais algo, ela ouviu algo farfalhar entre os arbustos que assustou-a, fazendo cair de costas contra a grama e acordar seu Totodile. Rastejando entre a folhagem e a relva alta estava um Pokémon de coloração amarelado com um corpo serpentino atarracado, ele possuia halos azuis em torno dos seus olhos cerrados, além da parte inferior de seu corpo também ser azulada, nas costas haviam asinhas atrofiadas diminutas em contraste com um padrão de listras azuladas numa parte cor de creme de seu corpo que terminava em uma protusão em forma de broca.
Um Pokémon raro, ela pensou, uma vez que nada vinha à sua mente quanto àquele serzinho que se arrastava em direção a algo. Talvez fosse um Pokémon que poucas pessoas haviam visto antes, mas ela não tinha sua Pokédex consigo para escaneá-lo, ela apenas esgueirou-se bem devagar e tirou uma foto do Pokémon com sua polaroid, antes uma captura com a câmera do que perder a chance de pegá-lo numa Pokébola.
— Isso! — ela disse puxando a foto da polaroid e guardando no bolso do macacão.
Ela então, nas pontas do pés e com Totodile seguindo logo atrás dela tentou seguir o Pokémon de mansinho para que ele não percebesse que estava sendo seguido por Lyra, mas essa tática não havia dado certo a longo prazo, em certo momento ela havia pisado em um galho e fizera o Pokémon serpentino virar-se para Lyra, ficando assustado e rastejando o mais rápido depressa de seu alcance.
Lyra então começou a correr, ela não podia perder aquele Pokémon, ela tinha que capturá-lo.
— Você não pode fugir — ela implorou — Eu tenho que te capturar.
A garota correu atrás do Pokémon até uma caverna, se era para ali que ele estava correndo, era para lá que ela iria. Era aquele Pokémon que seria a sua primeira captura e ela não poderia perdê-lo, não mesmo.