segunda-feira, março 11, 2024




Masako

Algures entre as Rotas 46 e 31, Johto

Quinta-feira, 28 de abril


O café da manhã tinha sido alguns salgadinhos de uma máquina e uma garrafa de chá. Masako estava acostumada a acordar e comer sempre ovos pochê sobre uma torrada acompanhados por uma massa folhada ou um bolo, iogurte, chá de hibisco ou de jasmim e alguma fruta fresca. Quando esteve no internato em Galar ela se acostumara ao típico café da manhã galariano de feijões numa torrada e salsichas, mas de volta a Johto ela esperava um café da manhã com seus pais ou ao menos com seu irmão e a dama de companhia, o valete e o guarda-costas e até o motorista que sempre seguiam-os para cima e para baixo pelos corredores do palácio ou da villa em Goldenrod. Ela queria a monotonia de sua antiga rotina.

Comer salgadinhos de Cornn Berry e beber chá de oolong não estava em seus planos, mas ela também não podia reclamar muito, do momento que fugiram eles tinham que esquecer todo e qualquer luxo se um dia queriam encontrar Minoru em algures de Johto e para isso ela teria que confiar em Silver que era um ladrão de Pokémon procurado àquela altura.

Eles estavam fora das rotas mapeadas, em algum lugar entre a serra montanhosa da Rota 46 e a Rota 31. Havia uma rede de cavernas que interligava as rotas, mas eram bastante escuras e eram conhecidas por serem tocas de Ursaring e eles não poderiam arriscar topar com um urso feroz e furioso então só lhes restava escalar toda a serra até chegar em Violet e isso levaria três dias.

Eles haviam montado acampamento próximo a um rio, Masako havia ficado com a barraca, enquanto seu irmão e Silver haviam dormido em sacos de dormir e cada um fez turnos de vigia e revezaram nas tarefas com exceção de uma: cozinhar. Nenhum dos três sabia como cozinhar, não sem queimar ou fazer uma gororoba intragável, um reflexo da criação de cada um ali.

— Se eu estiver certo podemos seguir aquela trilha mais a oeste e depois descer e estaremos chegando em Violet — diz Silver olhando um mapa de trilhas de alpinista que ele havia pego num entreposto na estrada — Isso nos poupará um dia inteiro e cortará a viagem de três dias para um dia e meio.

— Não há nenhum Pokémon perigoso na estrada, né? — perguntou Tenma que estava com o rosto todo sujo de farelos, seu cabelo azul estava desbotando a tinta ficando alguns tons mais claro, da cor de um céu sem nuvens. — Quase fomos atropelados por uma manada de Donphan a caminho daqui.

— E teve o ninho de Beedrill que a gente acabou destruindo — acrescentou Masako. — Quase que levamos ferroada.

— Mas conseguimos um pouco de mel — disse Tenma.

Silver bufou.

— Tá, eu que errei achando que poderíamos tomar aqueles percursos, okay? — esbravejou. — O mapa estava confuso, só estou conseguindo entender ele agora!

— Só agora? — disse Tenma, incrédulo.

— É, só agora, Kousei — respondeu o ruivo. — Mas já que mencionou o tópico de Pokémon perigoso, acho que estamos bem de boa. Se seguirmos o rio encontraremos alguns Poliwag e Poliwhirl; Wooper; Magikarp e Goldeen; talvez um Igglybuff ou Jigglypuff se formos pela mata ou até algum Vulpix se soubermos por onde passar, não são Pokémon perigosos.

— O mapa aponta tudo isso?

— Não — respondeu ele. — Mas há placas na trilha, vocês têm que prestar mais atenção no seu entorno, foi assim que a gente quase foi de base passando por aqueles Donphan.

— Bem, você é quem tem Pokémon por aqui — disse Masako. — Nós dois estamos indefesos e às suas custas. Não ia nos ensinar a capturar Pokémon?

— É, eu me lembro bem de você nos prometer isso — acrescentou Tenma — Lembro muito bem que ontem de manhã você ficou nessa de “ai, mas eu não vou ficar salvando vocês” e “se quiserem andar comigo tem que ter um Pokémon” e não sei mais o quê.

— Além de ladrão, também não é um homem de suas palavras, Silver? — provocou Masako.

Silver encarou-os com aqueles olhos prateados e mercuriais, suas sobrancelhas franziram, uma levantando-se, ela havia colocado dedo na ferida. Ele dobrou o mapa e vestiu sua jaqueta de motoqueiro e colocou suas luvas de couro.

— Venham comigo então — disse limpando qualquer farelo de salgadinho da camisa — Vou ensinar vocês a capturar Pokémon.

E pisando duro no chão, ele foi em direção ao rio que corria vagaroso, seu leito rochoso gorgolejava, era possível ver peixes como Magikarp e Goldeen subindo a correnteza ou escondendo entre as algas no fundo. Masako foi atrás do ruivo e Tenma também, amarrando sua jaqueta jeans na cintura e indo atrás deles, todo estabanado.

Silver pegou uma das suas Pokébola em seu bolso e visualizou a biodiversidade ali presente. Que Pokémon ele iria capturar? Ele iria só jogar uma Pokébola e seguir por isso mesmo? Ou iria travar uma batalha logo de cara?

Próximo a uma rocha cheio de musgo e flores aquáticas havia um grande e rotundo Pokémon anfíbio de pele azul-escura com olhos esbugalhados, suas mãos pareciam enluvadas e sem dedos aparentes, um sinal que logo alcançaria o próximo estágio evolutivo em algum ponto de sua vida. Sua barriga era branca, quase transparente, uma espiral preta quase hipnótica tomava conta de todo o espaço ali, se ela não estava enganada aquele era um Poliwhirl.



— Observem — disse ele sem ao menos encará-lo nos olhos.

Ele jogou a Pokébola que tinha em mãos e jogou em direção à pedra onde o Poliwhirl estava sentado, dela saiu seu Chikorita que pousou em cima de uma pedra oposta já em pose de batalha. Os olhos de ambos os Pokémon se travaram, a batalha havia iniciado.

Silver deu comando ao Pokémon tipo Grama que atacou o girino que contra-atacou, Masako estudou a batalha entre os dois combatentes, Silver havia escolhido Chikorita por ter vantagem contra o Poliwhirl, ela sabia que Grama era super-efetivo a Água, era uma coisa pedra-papel-tesoura bem básica que se aprendia no jardim de infância. A batalha tinha sido rápida, ele havia debilitado o girino o suficiente para poder capturá-lo, ele sacou uma de suas Pokébola e se preparou para jogar em direção ao anfíbio.

Ele virou o corpo e com o braço flexionado ele preparou-se para atirar a Pokébola, a garota olhou mesmerizada, encantada  enquanto a esfera bicolor ia em direção ao girino, mas quando ela estava para abrir algo emergiu da água, uma criatura azulada e também anfíbia com guelras expostas e antes que ela pudesse ver qual Pokémon era aquele a bola capturou aquele serzinho minúsculo enquanto o Poliwhirl saltou em direção à água.



Silver arregalou os olhos, descrente, ele não havia pego o Poliwhirl que queria, mas um totalmente diferente, ele observou a Pokébola mexer uma, depois duas, depois uma terceira vez. Um clique e pronto, a captura havia sido confirmada. Chikorita pegara as Pokébola com os seus cipós e fora até seu treinador e sorriu esperando algum elogio pelo bom trabalho ou algo do tipo.

— Acho que você pegou outra coisa, cara — falou Tenma chegando por trás, ele assim como a irmã tinha ficado quieto até então, apenas observando a batalha de demonstração de Silver. — Acho que é um Wooper, seu Poliwhirl saiu nadando.

Silver perfurou-o com o olhar, Masako recuou, mesmo que o olhar intimidador não tivesse sido para ela, Tenma por outro lado não pareceu ler o ambiente. Ela mordeu o canto do lábio em desespero, Silver parecia propenso a ficar furioso como uma tsunami prestes a varrer a costa.

A Pokébola na mão de Silver abriu-se e o Wooper saiu de lá. O axolotl com um rosto oblívio e um sorriso no rosto se aproximou do ruivo, Chikorita fez o mesmo. Silver bufou, ele estava frustrado, ele claramente queria capturar o Poliwhirl, ele queria demonstrar para os dois adolescentes que conhecia a menos de dois dias que era forte e capaz de capturar um Pokémon.

— Não é de todo ruim — disse Masako tentando aliviar aquela tensão que havia se criado, ela precisaria ser a apaziguadora do grupo, evitando que seu irmão e Silver eventualmente brigassem. — Acho que entendi como funciona uma captura. Você precisa primeiro enfraquecer o Pokémon e depois atirar a Pokébola, mas tem Pokémon que você consegue pegar de imediato igual você fez com o Wooper.

O axolotl remexeu a cauda e sorriu, esfregando-se em Silver, Chikorita fez o mesmo. O ruivo respirou profundamente e se levantou.

— Bem, pelo visto alguém realmente entendeu — disse ele para a garota. — Uma batalha contra um Pokémon selvagem é sempre imprevisível. Esse Wooper saltou da água no momento em que eu joguei a Pokébola em direção ao Poliwhirl, mas acho que não é de todo ruim.

— Não? — perguntou Tenma.

— Wooper é Água e Terrestre — notou o ruivo. — Poliwhirl é apenas Água. Wooper acaba tendo uma imunidade a uma das fraquezas do tipo Água que é o tipo Elétrico, fora que dá uma vantagem adicional e torna ele resistente, bem exceto contra Pokémon de Grama.

— Você parece entender bem de Pokémon do tipo Terrestre — observa atentamente a princesa, Silver falava com tanta propriedade que ele parecia até de certa forma um especialista.

— Meu pai é especialista nesse tipo — comenta ele, seu tom de voz era um tanto saudoso e pesaroso ao mesmo tempo. — Cresci com uma variedade de Pokémon Terrestre, na casa do lago tínhamos Quagsire e Wooper a rodo na propriedade, então sei uma coisa ou outra sobre.

— Casa do lago? — indagou Tenma.

— É no Lago da Fúria — diz Silver. — Íamos nos verões para lá, para a região dos lagos, minha mãe amava lá e meu pai, bem… ele tinha “negócios” e só aparecia no final das férias até que não apareceu mais… Acabou que eu voltei para a região dos lagos anos depois, mas sem minha mãe e… não quero comentar.

Ele pareceu querer conter alguma lágrima que vinha no canto do olho, ele parecia fragilizado por contar algo trivial de sua vida, então ela percebia que se continuasse a andar com aquele garoto uma hora saberia mais coisas sobre ele. Coisas boas e coisas ruins.

— Desculpa, veio algumas coisas na minha cabeça — ele disse pegando o Wooper em seu colo, o anfíbio absorto em tudo, apenas se acomodou ali. — Vou ver se consigo encontrar algo para o almoço, se quiserem tentar capturar algum Pokémon eu tenho algumas Pokébola na mochila e podem usar a minha Sneasel ou meu Chikorita, eles vão obedecer vocês.




Silver


Dante só via seus pais três vezes no ano: no seu aniversário, nas festas de fim de ano e quando as férias vinham, mas ele não viu nem um e nem o outro naquele verão e ficou sem vê-los durante três longos anos.

A Academia Greenfield para Rapazes não seguia os mesmos calendários das demais escolas em Kanto e Johto, mas o seu próprio, um modelo bem estrangeiro. Seu ano letivo começava em setembro, enquanto as outras da região se iniciavam em meados de março com a chegada da primavera, sendo assim as férias só seriam em maio, mas naquele ano eles prolongaram pelo verão para propor colônias de férias para aqueles estudantes que podiam pagar por elas, coisa que Giovanni havia feito, Dante não havia vindo para casa naquele verão, ele havia ficado por lá em Greenfield com os outros estudantes.

Durante as primeiras semanas de verão ele havia ficado incomunicável com os pais. A mãe não atendia as ligações e quanto ao pai? Muito menos, ele sempre estava em negócios ou realizando batalhas de ginásio, em reuniões oficiais do Planalto Índigo. Fofoca chegava aos ouvidos dele de que Giovanni, um dos maiores especialistas em Pokémon do tipo Terrestre de Kanto e Johto dos últimos vinte anos, poderia chegar à Elite dos Quatro se continuasse daquele modo.

Poderia. Esse verbo era só uma fantasia, um conto de fadas na cabeça de muitos que não sabiam o que a empresa de seu pai fazia nas sombras. Nem ele sabia o total escopo das ações do pai, mas ele desconfiava que ele estava metido em algo grande demais, uma pena que ele só foi descobrir tudo de fato quando já era um pouco tarde.

Um dia, a direção havia comunicado que alguém havia telefonado para Dante, tratava-se de sua mãe, mas ele mesmo não pudera falar com ela ao telefone, o próprio diretor passou a mensagem para o garoto que na época ainda tinha treze anos de idade. Treze desses anos fingindo que o pai era um empresário de grande renome em conjunto ao seu trabalho como líder de ginásio. Ha! Que piada, Giovanni era um lorde do crime, um homem que tinha o submundo do crime de Kanto e das Ilhas Sevii na palma de sua mão. Tudo para mostrar o que faziam por baixo dos panos para o grande público descobrir depois da bomba estourar completamente na grande cidade de Saffron no incidente da Silph Co.

O diretor comunicara a Dante que a mãe estava pedindo para que ele fizesse as malas, ele iria passar uma temporada longa na região dos lagos no norte de Johto. A família havia uma casa de veraneio ali, de onde era possível ver o grandioso Lago da Fúria e os lagos menores que o cercavam. E assim ele fez, colocou tudo em duas malas e numa mochila, suas roupas, seu mangá favorito e até um troféu de equitação que havia ganhado em um campeonato no internato. Ele iria ver seus pais.

— Você está esperando a limusine, não é, Dan-dan? — perguntou alguém, era uma voz familiar.

Ele virou-se e viu de quem se tratava. Um rapaz de cabelos brancos de treze anos, a idade de Dante na época, estava logo atrás dele, braços para trás e sorrindo, atrás dele estava seu Pokémon companheiro, um Elekid que sempre o seguia fora da Pokébola. Era um de seus colegas de classe, Christopher Grey, um de seus poucos amigos ali na escola.

— É, eu vou para os lagos de novo — ele disse para o amigo. — Meu pai parece… ele parece ocupado com o ginásio e os negócios… mas a minha mãe estará vindo, ela deve me levar para velejar esse fim de verão, ela tinha me prometido da última vez.

— Velejar? Uau — ele disse impressionado. — Seu pai vai vir depois, não é?

— Eu… eu não sei — ele respondeu Grey. — Ele não tem ligado ultimamente, desde que algo aconteceu com um parceiro de negócios em Celadon, ele nem veio para a última reunião de pais. Minha mãe também não ligou neste verão… Eu me sinto no escuro, sabe?

— Com o que seu pai trabalha mesmo?

Ele engoliu em seco.

— Ele tem dois empregos, na verdade — explicou ele — Ele é líder de ginásio em Viridian, um dos mais fortes treinadores de Kanto depois da Elite dos Quatro e também chefe de um conglomerado zaibatsu bem influente em Kanto.

Um zaibatsu era um grupo empresarial que era controlado por certas famílias de prestígio e renome, tendo surgido em grande número durante o período industrial e que haviam crescido exponencialmente no último século ao ponto de criar verdadeiros impérios capitalistas, como algumas empresas automobilísticas e do ramo de alimentos. A empresa de seu pai havia sido passada por sua avó que tinha financiado muitas pesquisas em relação a genética Pokémon no passado, até mesmo uma busca por DNA de um Pokémon antigo, mas ele não sabia muito a respeito, mas sabia que a avó era um tanto filantropa, organizando eventos de caridade e ações humanitárias, principalmente no pós-guerra depois passando o cargo ao seu pai que pareceu dar continuidade aos trabalhos de sua antecessora e talvez um dia seria Dante a ser o cabeça por trás dos projetos de seu pai, aquele a herdar todos seus crimes e pecados.

— Maneiro — comenta Grey. — Meu pai recentemente assumiu um cargo importante em Ecruteak, ele é parte do comitê de cultura e tradição de lá, está sempre ocupado, só sei das notícias por que minha nee-chan me liga todos os fins de semana para me atualizar. Ah, o seu carro está chegando, tchau Dan, te vejo quando as aulas retornarem.

— Tchau Grey, até mais — ele despediu-se do amigo, não sabendo que aquela era a última vez que o veria.

Uma grande limusine branca vinha ao longe na estrada de terra em frente ao internato, ele sentiu seu coração palpitar, sua mãe estava enfim chegando, ele estava ansioso, não a via desde a última reunião de pais, o que já fazia bastante tempo. Talvez ela tinha trago presentes ou sua sobremesa favorita de uma das confeitarias lá de Viridian, ele enfim teria mais notícias do por que ele não estar tendo ligações dela. Do porquê seu pai não dar notícias além do que havia acontecido em Celadon meses atrás. Do porquê dele sequer saber o que o pai realmente estava fazendo.

Quando o carro parou em frente aos portões, ele segurou suas malas e ajeitou sua mochila nas costas. O motorista não era o usual, era um homem jovem de cabelos azul-petróleo usando uma boina preta que não combinava em nada com o terno, ele tinha um rosto abatido como se tivesse recém-saído de um combate intenso. Mais tarde ele descobriria que aquele era um dos executivos da Equipe Rocket, o mais cruel deles, Próton e que ele estava lá na Silph Co. quando a bomba estourou. Quando o mundo descobriu quem era Giovanni.

Próton havia colocado as malas de Dante no porta-malas e depois aberto a porta traseira para o menino que estranhou a mãe não ter saído do carro para recebê-lo e abraçá-lo, perguntar como tinha sido a colônia de férias em Greenfield, ele apenas ouviu um audível e aveludado:

— Dante, meu bem, venha — sua voz estava estranha, soava forçada como se sua garganta estivesse dolorida e as palavras não conseguissem fluir propriamente. — Estou morrendo de saudades.

Vagarosamente ele adentrou o carro e o interior dele estava um breu completo, as janelas haviam cobertas por uma película mais escura, em um dos cantos havia uma sombra, mas não era feminina e delicada, mas masculina e bastante encorpada, quase musculosa.

— Q-quem é você? — assim que ele fez essa pergunta, a porta do carro se fechou e trancou-se e a chave virou na ignição.

A pessoa saiu das sombras e se revelou, era um homenzarrão que fedia a cigarro e whisky vagabundo, também com uma expressão abatida, ele tinha cabelos roxos e usava um uniforme preto com um grande e vermelho R no peito. Aquele era Petrel, outro dos executivos da Equipe Rocket.

— Não reconhece mais a mamãe, Dante? — ele imitava a voz de sua mãe, chegava a ser uma imitação perfeita ao ponto que assustava ele.

O homem sorriu cruelmente e passou as mãos por seu cabelo púrpura e assim que abriu a boca novamente sua voz se apresentava mais grave e pesada.

— Garoto, infelizmente, não é para os lagos que estamos indo.


Wooper o tirou de seu devaneio quando ele estava prestes a cair dentro d’água. Ele estava próximo ao rio lavando alguns tubérculos e bulbos que ele havia encontrado pelo bosque naquela trilha montanhesa, ele havia conseguido distinguir que planta era comestível e qual não era com a ajuda de um guia de acampamento que pegara num entreposto entre rotas, uma dessas casas onde treinadores ficavam pela noite quando não montavam acampamentos ou coisa do tipo.

Pensar no pai e na Equipe Rocket e como eram todos farinha do mesmo saco ainda era um choque para ele, mas talvez ele não tivesse conectado os pontos direito. Ele sabia que o pai era envolvido em algo grande e que tinha esquemas mirabolantes para ganhar dinheiro, mas ele não entendia direito com o quê, ele era criança na época em que a organização fazia alguns furtos e traficava Pokémon para o mercado negro, mas ele sabia que tia Ariana trabalhava para seu pai assim como seu tio Archer que era o mão direita de seu pai. Talvez o pai tivesse empresas e negócios fantasmas demais para encobrir o rastro de seus crimes e para isso também evitava que o próprio filho soubesse das longas sombras projetadas por sua vasta lista de crimes. Giovanni manipulava tudo e mentia para todos, ele era um ator, o diretor e o roteirista. Ele sabia o que fazia a cada passo.

Talvez Silver devesse notar melhor as vezes que via um R vermelho pela casa em algum papel ou em algum grampo de gravata do pai ou ao menos perceber relacionado aos crimes do pai quando ele se ausentava a tempo demais de Viridian, mas ele mau ficava em casa, Giovanni havia feito questão de mandá-lo para o internato mais longe de Kanto o possível para que o filho não dissesse para ninguém sobre quem o pai realmente era. Uma vez quando tinha onze anos de idade ele estava brincando perto do escritório dele, que no momento estava em reunião com diferentes associados, infelizmente ele nem chegar a ouvir toda a conversa, a mãe tinha chegado antes com uma das empregadas e dissera o de sempre em seu aveludado e doce tom de voz:

— O papai está resolvendo coisas de gente grande, querido — disse ela. — Não vamos incomodá-lo, certo?

Ela sabia. Claro que ela sabia e tentava a todo custo evitar descobrir que o filho soubesse que o pai era um mafioso poderoso que tinha o submundo de Kanto na ponta dos dedos como fios de uma marionete. Ela queria preservar a pouca inocência de Dante, embora em vão.

— Será que ela também queria me proteger dele, Wooper? — ele perguntou para o axolotl que só virou a cara e sorriu bobo, não havia nenhum pensamento na cabeça daquele Pokémon. — Deixa para lá — ele suspirou profundamente enquanto retirava a terra dos tubérculos e bulbos, limpando-os bem, aquela seria a refeição do dia.

Ele pegou os tubérculos, a maioria eram batatas selvagens que cresciam à margem do rio. Ele havia conseguido pegar um grande alho-poró e alguns bulbos de lírios também, agora ele tinha que ver como iria cozinhar aquilo tudo já que não tinha habilidade culinária nenhuma além de ferver um pouco de água e fazer macarrão instantâneo e chá.

— Será que dá pra fazer batata frita com isso que eu peguei? — ele se questionou enquanto colocava tudo dentro da jaqueta, usando-a como um saco para transportar. — Mas precisa de óleo de cozinha, que droga. Talvez purê? O que mais dá pra fazer com batatas?

Antes que ele pudesse pensar em mais alguma coisa para tentar arriscar-se a fazer para o almoço, ele ouviu um estranho som no bosque: o som de uma batalha. Ele arregalou os olhos e foi em direção de onde o som vinha, talvez os dois gêmeos imbecis tivessem topado com algum Pokémon extremamente forte e não sabiam se defender.

Correndo, ele chegou até uma clareira onde um balão de ar quente estava pousado, ele engoliu em seco, pois sabia que a Equipe Rocket gostava de mandar seus agentes de mais baixo escalão em balões para missões curtas e bobas. Ele e Wooper esconderam-se atrás de um arbusto e viram dali três recrutas, uma mulher e um rapaz em uniformes brancos do baixo escalão e um cientista em seu jaleco, eles pareciam estar discutindo entre si enquanto seus Pokémon travavam uma batalha entre si.

— Você disse que ele estaria por aqui, Langley! — gritou a mulher, ela era magra e tinha os cabelos presos em dois coques e tinha um par de brincos de argola chamativos nas orelhas, atrás dela seu Tangela lutava contra um Pokémon, mas ele não conseguia ver bem dali dos arbustos — Ugh, os Pokémon daqui são uma chateação, já não bastasse esse Vulpix irritante querendo roubar nossa comida.

— Ficamos ontem o dia todo sobrevoando por aqui — complementou o outro recruta, um rapaz alto e de pele escura, seus cabelos verdes se destacavam, assim como a musculatura, Dante se lembrava de alguém parecido na noite que escapou — Seu bagulhinho eletrônico já devia ter sido capaz de triangular a posição do pivete ruivo.

— E eu vou conseguir rastrear ele — disse o cientista mirim mexendo em um estranho dispositivo, em seu ombro estava um Ditto. — Se meus cálculos estiverem certos ele deve estar por aqui, só precisamos começar a procurar.

Merda. Merda. Merda. Estavam atrás dele. Ele deveria desconfiar que tinham mandado alguém atrás dele. Dante engoliu em seco e vagarosamente saiu dali, carregando Wooper nos braços e não fazendo nenhum som, ele teria que fazer os gêmeos desmontarem o acampamento às pressas e sair dali o mais rápido possível ou coisa pior iria acontecer. Ele não seria capaz de peitar dois recrutas, aliás, dois recrutas e um cientista, seria melhor fugir.

Ele chegou até onde o acampamento estava montado e não encontrou nem Kousei e nem Tomoki, os dois não estavam ali, eles realmente tinha saído para capturar Pokémon como ele havia pedido.

— Merda, merda, merda, merda, merda — ecoou ele.

O menino arrumou a mochila às pressas, guardou seu saco de dormir e enfiou de algum modo tudo que forrageou pelo bosque para o almoço e desarmou o resto do acampamento e guardou as coisas dos irmãos e foi atrás deles. Eles tinham que sair dali o quanto antes possível.


Tenma


Tenma havia se separado da irmã e caminhado mais bosque adentro para procurar um Pokémon que pudesse ser o seu parceiro. Ele havia pego emprestado a Sneasel de Silver que parecia ser uma boa caçadora, já que guiava-o pelo bosque mostrando-lhe rastros e pegadas que pareciam levar em direção a uma parte mais profunda do bosque naquela parte da montanha.

Enquanto acompanhava o Sneasel ele simulava os golpes de esgrima que havia aprendido em Galar quando esteve estudando por lá e complementando com alguns movimentos de kenjutsu das aulas que havia recebido quando novo de um espadachim. Ele usava um galho comprido como se fosse uma katana ou um florete e sozinho ali fingia enfrentar um inimigo invisível: a mulher que havia sequestrado seu irmão mais novo.

Ele odiava se sentir incapaz. Sentir-se indefeso. Ele queria poder contra atacar, mas sabia que nem ele e nem Masako seriam capazes de lidar com aquela estranha e seu Parasect virulento, talvez confiar em Silver fosse o correto, ele aparentava ser forte. Forte o bastante para lidar com pessoas como aquela mulher. Forte o suficiente para ajudar ele e a irmã.

Ainda subindo montanha acima e segurando seu galho-espada, ele chegou a uma pequena cascata onde Sneasel havia parado para beber água. Ele fez o mesmo, recolheu as mãos em concha e bebeu um pouco da água que brotava em meios as pedras, ela estava absurdamente gelada que chegava a doer a garganta, talvez fosse água de degelo das montanhas mais acima naquela serra.

Quase não havia Pokémon naquele lado da montanha, só um ou outro Spearow nos galhos, mas nada que o interessasse. O príncipe continuou andando por aquela trilha até uma parte mais escura do bosque ao ponto que não muitos fachos de luz do sol atravessavam a copa das árvores, ele virou-se de costas, ele tinha se perdido.

Burro — autodepreciou-se enquanto tentava lembrar por havia vindo.

Sneasel também não estava em nenhum lugar que ele pudesse ver, ele havia perdido o rastro do Pokémon doninha, ele estava perdido e potencialmente indefeso no meio de um bosque nas montanhas igual um idiota. Era desesperador, ele queria gritar, surtar, chorar e segurar os joelhos, mas aguentou o tranco como podia e pensou em alguma forma de achar o caminho de volta até que algo captou sua atenção, pequenas luzes flutuando no ar, suspensas como pequenos faróis chamando-o.

Eram bolas de fogo bruxuleantes e azuladas, tremeluzindo na escuridão daquela seção do bosque e formando uma trilha. Era como a trilha de migalhas de pão nas histórias infantis, um caminho de saída. Sem nenhuma escolha ele seguiu cada chama cor de safira, passando por entre os carvalhos e pinheiros, sem rumo. Talvez alguém estava ajudando-o a sair do bosque, ele só não sabia quem.

As chamas ficavam mais fortes conforme ele seguia elas, no começo eram apenas pequenas como morangos e agora se projetavam grandes como maçãs. Tenma continuou andando por aquela estranha trilha até notar que havia algo de estranho na atmosfera do local. Nas rochas cobertas por musgo e entre as árvores ele notava algo: a presença de estátuas.

As estátuas eram canídeas em aparência, mas ele não sabia reconhecer que Pokémon era aquele representado nas estátuas de pedra, mas ele notava que elas usavam babadores vermelhos, alguns mais gastos, outros mais recentes. Mais ao centro ele vira um templo em miniatura, um santuário de beira de estrada com um altar onde havia uma vasilha de pedra com moedas e algumas notas de iene amassadas e molhadas, dois palitos de incenso já queimados e a estatueta do que parecia ser um Pokémon vulpino com múltiplas caudas, algumas já quebradas.

Aos pés daquele pequeno altarzinho estava um Pokémon vulpino de pelagem vermelha, ele tinha seis caudas que enrolavam-se de maneira similar aos cachos entre as orelhas. Ele parecia ter se ferido em uma batalha recentemente, dado o modo que seu pelo aparentava sujo e desgrenhado, como se tivesse escapado por pouco de uma chicotada, ele também parecia bastante fraco e faminto, pois quando viu Tenma apenas levantou a cabeça e chiou.




— Você é um Vulpix, certo? — ele indagou se aproximando da raposa que não recuou, ela estava debilitada demais para isso. — Minha família costumava ter alguns de sua espécie nos jardins em Kanto, mantinham a população de Pidgey e Rattata longe.

Ele passou a mão na raposa, ela estava fria. Fria até para um Pokémon de Fogo.

— Esse santuário não deve ver visitas a muito tempo — disse ele. — Você se alimentava das oferendas que os viajantes deixavam aqui?

A raposa não respondeu.

— Você usou seu fogo para ver se algum humano vinha aqui, deve estar faminto. Você também está todo machucado… — concluiu Tenma compadecido daquele Pokémon, ele não poderia deixar alguém fraco assim para trás, seria covardia — Meu, hã… Um cara com quem estou viajando está fazendo o almoço lá no acampamento e…

O estômago de Tenma também roncou, já fazia algum tempo desde que ele tivera alguma refeição, seu café da manhã havia sido apenas um pacote de salgadinhos que ele, a irmã e Silver haviam dividido entre si e uma garrafa de chá de oolong que nem mais gelado estava.

— Por que não vem comigo? — perguntou o garoto — Não posso deixar alguém como você indefeso. Você nem sabia se alguém viria, por que não vir comigo?

A raposa levantou a cabeça e se permitiu ser carregada por Tenma. Ele precisava voltar com urgência para o acampamento, ele tinha que encontrar o Sneasel de Silver o quanto antes.

Ele fez o caminho contrário da trilha feita pelo fogo de Vulpix e depois desceu a montanha, a descida era mais difícil, ele não poderia escorregar ou machucaria ele e também ao Pokémon que precisava de algum tratamento em um Centro Pokémon. Ao ver a cascata da qual bebeu água mais cedo ele já sabia que não estava muito longe do acampamento, isso é, até ver Sneasel não muito longe dali e logo atrás, pingando suor e carregando duas mochilas a mais, estava Silver.

— Silver?

— Kousei! — gritou o ruivo, um tanto ofegante. — Que bom te ver… Onde… Onde está a sua irmã?

— Eu e ela, nós… nós nos separamos — ele explicou. — Ela saiu com seu Chikorita para capturar um Pokémon para ela.

— Droga! — ralhou ele. — Temos que encontrar ela o quanto antes, não estamos… não estamos seguros aqui…

— Por quê? — perguntou o príncipe. — A polícia está atrás de você? Estamos encrencados por estarmos com você?

— Não, não — ele disse, tentando pegar um pouco de fôlego. — É pior… É pior que a polícia, acredite. Temos que sair desse bosque e !



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