segunda-feira, julho 28, 2025



 Luca

Cidade de Violet, Johto

Sexta-feira, 13 de maio


Uma vez, Luca ouviu sua madrasta dizer que seu pai era uma "Butterfree social", uma expressão que ele não entendeu muito bem na época. Não até conhecer Harper, o amigo de infância e quase-irmão de Lyra. Harper era a verdadeira definição da expressão: enérgico, trazia vida para qualquer lugar. Mesmo sem conhecer direito Luca ou os outros meninos tanto quanto Lyra, ele já tinha feito amizade facilmente.

Naquela manhã, todos pareciam ocupados com algo. Ren arrastou Lyra consigo para a estação de trem, animado por encontrar Min, o idol altão kantoniano que ambos admiravam. Min tinha combinado passar o dia com eles — ou melhor, com Ren. Lyra estava ali mais de enxerida e para segurar vela.

O meio-irmão de Luca, por outro lado, afogava seus pensamentos nas salas de treinamento do Centro Pokémon, tentando escapar das memórias da ex-namorada que havia despedaçado sua vida. Descobrir, de maneira brutal e por terceiros, que o relacionamento à distância de quase dois anos fora baseado em mentiras o deixara devastado. Luca nunca gostara de Catty e sempre desconfiara dela, mas ver Pierce tão melancólico era de doer o coração e olha que Luca nem era do tipo que se comovia facilmente.

Sem nada para fazer, Luca e Harper foram até uma pista de skate perto de uma pracinha. O local estava praticamente vazio naquela manhã. Às vezes, alguém passava de bicicleta ou um treinador caminhava com seus Pokémon.

Luca aproveitou a pista para praticar um pouco. Mesmo carregando a incubadora com o ovo que ganhara do avô-drasto, ele ainda arriscava um ollie ou um heel flip. A ansiedade para que aquele ovo chocasse era enorme, mas, segundo a enfermeira, levaria mais duas semanas. Ele não aguentava mais esperar. Todos os seus amigos — até seu irmão — já tinham Pokémon. Enquanto isso, ele estava preso com um que ainda iria demorar para nascer.

Depois de algum tempo, desceu as rampas com cuidado, carregando a incubadora, e sentou-se ao lado de Harper, que o observava com olhos castanho-avelã brilhantes. Harper lhe entregou uma garrafa d’água, e Luca a esvaziou em um único gole, sem hesitar. O suor escorria pelas têmporas, e o boné caía de sua cabeça.

— Arceus, que cansaço — arfou Luca.

— Também, né? Tu ficou pra lá e pra cá com um skate enquanto carregava um ovo numa incubadora — Harper riu. — Só um maluco faria isso. E olha que eu cresci vendo o Ethan fazer loucuras em cima de uma prancha.

— Quem é esse Ethan? A Lyra já mencionou ele antes, mas nunca explicou direito — perguntou Luca, curioso.

Haha, tá com ciúmes das amizades da Lyra, é? — Harper provocou, rindo. — O Ethan é um dos nossos amigos mais antigos. Conhecê-lo foi bem estranho, sabe? Foi uma época complicada pra gente, principalmente pra Lyra. Mas deixa isso pra lá…

Harper desviou o olhar, e Luca percebeu que era um assunto delicado.

— Bom, conhecemos o Ethan porque a Lyra ficou presa no topo de uma turbina eólica. Ela tinha sete anos na época. Foi assustador.

Luca tentou imaginar a cena. New Bark era cercada por turbinas eólicas, enormes cataventos que captavam a energia dos ventos. Subir em um deles parecia impossível, mas ele sabia que crianças de sete anos eram capazes de proezas insanas. Ele próprio já havia feito muitas coisas arriscadas nessa idade, mas nunca algo ao ponto de ficar preso no topo de uma estrutura tão alta.

— Eu estava na escola em Cherrygrove no dia, mas minha tia ficou louquinha de preocupação quando soube — contou Harper, coçando a nuca. — Foi o Ethan quem viu a Lyra subindo e avisou o pai dela. Foi um choque tremendo pra família. Ela foi resgatada pelos bombeiros, mas desde então tem medo de altura.

— Puta merda! — exclamou Luca, boquiaberto.

— Pois é. — Harper assentiu. — Mas, sabe, a Lyra e eu sempre conhecemos nossos amigos em enrascadas que a gente mesmo arranja. Teve uma vez que uma garota e o irmão dela mudaram pra casa em frente à da Lyra, e, antes que percebêssemos, estávamos escondidos em um micro-ônibus indo para o Parque Nacional de Tohjo Falls. A tia Mimi deu uma bronca daquelas na gente.

Luca riu.

— Você e a Lyra parecem irmãos de verdade.

— Às vezes, as pessoas acham mesmo que somos. Nossos nomes são parecidos: lira e harpa. Temos olhos parecidos. Alguns até dizem que eu sou a cara do pai da Lyra, mas eu nunca levei isso a sério. Soa absurdo, né? — Harper riu.

— É mesmo engraçado. — Luca riu junto. — Mas você vive com sua tia, certo? E seus pais?

Harper parou de rir e olhou para o chão. Luca percebeu que havia sido indelicado.

— Ah… eu nunca conheci meus pais — disse Harper, coçando a nuca. — Tia Mimi contou que minha mãe não podia me criar por causa da saúde. Já meu pai? Sei lá. O pai da Lyra foi mais pai pra mim do que ele jamais seria.

— Entendo você — disse Luca, pensativo. — Não tenho mãe, mas considero a minha madrasta, a mãe do Pierce, como se fosse. Meu pai… é outro caso.

Harper arqueou as sobrancelhas.

— Espera, como assim?

Luca olhou para a incubadora em suas mãos, os dedos entrelaçados.

— Eu não conto isso pra todo mundo, mas… eu sou adotado.

— Sério?

Luca assentiu.

— Eu tinha uns cinco anos quando meu pai me encontrou. Antes disso, vivia nas ruas de Goldenrod. Não tinha ninguém, nem família, nem casa. Só sobrevivia com a ajuda de um lar de caridade.

— Um orfanato?

— Não exatamente. Era mais um abrigo temporário para crianças em situação de rua. Eles nos davam o que comer e vestir, mas era só isso. A maioria das crianças era deixada por lá e… bom, eu era o menor, então me mandavam fazer as tarefas mais arriscadas.

Luca parou por um momento. As memórias ainda estavam vivas.

— Um dia, eu estava vasculhando um beco atrás de comida, mas estava tão fraco de fome e febre que mal conseguia andar. Lembro de quase cair dentro de uma caçamba de lixo. Foi quando o Edward me encontrou. Ele correu comigo para o hospital.

Luca ainda conseguia ouvir as vozes no quarto de hospital.

Esse homem é seu pai?

Qual o seu nome, garotinho?

Ele olhou para Harper e deu um sorriso melancólico.

— Eu não tinha bem um nome, sabe?

Harper ficou em silêncio por um instante, absorvendo as palavras de Luca.

— Como assim você não tinha um nome? — perguntou, a voz baixa, quase como se temesse ser intrusivo.

Luca suspirou, ajeitando a incubadora no colo. Ele puxou de dentro da blusa uma correntinha com um Lucario esculpido em madeira.

— Os outros meninos do abrigo me chamavam de Luca por causa desse colar — ele mostrou para Harper que olhou atentamente para o Pokémon lobo esculpido no pingente. — Acho que foi alguém de lá que me deu. Sempre foi o meu único "pertence". Sobre o resto... eu só sabia que tinha seis anos na época porque os adultos do abrigo lembravam de como me encontraram. Eles diziam que eu fui cuidado por Pokémon de rua antes de ser levado pra lá.

Harper arregalou os olhos.

— Pokémon de rua? Sério?

— Sim. Eu lembro de flashes. Não sei se foi um Houndoom ou algo assim, mas era grande e ficava comigo. Era como se eu fosse parte do grupo deles. — Luca fez uma pausa, olhando para a incubadora com um pequeno sorriso. — Acho que, de alguma forma, os Pokémon sempre foram minha família antes de eu conhecer o meu pai.

Harper parecia fascinado, mas manteve o tom respeitoso.

— E como foi depois que ele te encontrou?

Luca suspirou, pensando.

— Edward foi a primeira pessoa que me tratou… como gente. Eu lembro dele discutindo com os médicos, querendo que me tratassem logo, dizendo que ia pagar qualquer coisa. Naquela época, eu nem sabia o que significava alguém se importar comigo desse jeito — ele deu um sorriso lembrando-se da cena, embora não com muita clareza — Ele não era perfeito. Era meio desajeitado no começo. Eu lembro que, quando ele me levou para casa, eu não sabia como me comportar. Nunca tinha tido um quarto, uma cama só minha. Eu dormi no chão durante os primeiros meses, por costume. Ele só percebeu isso quando me encontrou enrolado em um cobertor ao lado da cama.

— Uau… — disse Harper impressionado. — Só uau.

— Bem, chega de falar do passado. Tô com uns trocados, topa comer algo? — pergunta Luca, seu estômago estava roncando. — A gente pode voltar lá no Café Scratch.

— Sim, por favor! — Harper exclama, já que assim como Lyra, ele parecia ter um grande afeto pelos Meowth do lugar desde que tinha vindo a Violet em uma viagem escolar. — Eu quero muito provar os macaron em formato de um Amulet Coin! E o parfait também!

— Tá bom, levanta aí, vambora.

Os dois garotos andaram algumas quadras até chegar o café com temática de Meowth. Os dois se sentaram à mesa e fizeram seus pedidos, ele havia pedido um omuraisu, diferente de Harper que só pedira coisas doces, chegava a doer os dentes de Luca pela quantidade de açúcar que o outro menino ingeria.

Luca colocou a encubadora em cima da mesa, enquanto Harper brincou com um dos Meowth do café, o gato ronronava em seu colo, ele era mais manso que o Meowth de Lyra que chiava na presença de qualquer um menos dela e de Harper.

— Com licença, meu jovem — uma voz feminina interrompeu o momento tranquilo, acompanhada de um leve toque no ombro de Luca. Ele virou-se de supetão, os olhos arregalados, quase derrubando o banco em que estava sentado.

A mulher diante dele era deslumbrante e um tanto intimidante, como uma figura saída de um conto antigo. Seu cabelo branco como a neve estava cuidadosamente preso em um penteado wareshinobu, decorado com flores vermelhas e grampos que brilhavam suavemente sob a luz do café. A maquiagem esbranquiçada de sua face contrastava com os realces em vermelho e dourado ao redor dos olhos, nos lábios e nas bochechas, que só o lembrava de como seu rosto ficava coberto em rosácea nos meses mais frios. Seu kimono, em tons de lavanda, pervinca e azul-bebê, estava adornado com estampas de flocos de neve e flores brancas, faziam a parecer uma yuki-onna, uma mulher das neves do folclore tradicional.

Ao seu lado, um Glaceon de pelagem azul-cristal a acompanhava, movendo-se com elegância. O Pokémon farejava o ambiente com curiosidade, seu olhar atento fixando-se na incubadora que Luca havia colocado sobre a mesa.



— Me desculpe — começou a mulher com um sorriso sereno. Sua voz era calma, mas carregava uma autoridade natural. — Não quis assustar você e seu amigo. É que nunca vi um ovo de Pokémon como esse. Há algum problema se eu der uma olhadinha?

Luca piscou algumas vezes, ainda processando a figura diante dele, antes de finalmente dar de ombros.

— Hã… Acho que não. Foi meu avô-drasto que me deu. Ele disse que é de uma espécie que ninguém vê há uns vinte ou trinta anos, sei lá.

— Interessante. — Ela inclinou-se para observar o ovo mais de perto, os olhos brilhando com uma curiosidade quase infantil. — Ah, que descuido meu! Eu sequer me apresentei. Meu nome é Koume. Sou uma das Mulheres de Kimono.

— Tô vendo: uma mulher de kimono. Bem bonito, por sinal. — Luca apontou para o traje elaboradamente decorado, sem perceber que seu comentário parecia um pouco raso. — Meu nome é Luca, e aquele ali é o Harper, moça de kimono.

Harper afundou o rosto nas mãos por um momento antes de acenar timidamente.

— Hã, oi… — murmurou, tentando consertar a situação. — Desculpa o Luca. É que acho que ele não entendeu o que você quis dizer com “uma das Mulheres de Kimono”. Luca, ela é uma das. Sabe, da Irmandade que preserva as tradições e a cultura antiga de Johto.

— Massa, mas ainda não sei do que ‘cê tá falando. — Luca balançou a cabeça, sem muita convicção, claramente não impressionado pelo que Harper parecia considerar um grande feito.

Koume riu levemente, cobrindo a boca com elegância.

— Vejo que você é bem… direto, jovem Luca. — Ela cruzou as mãos à frente do corpo, assumindo uma postura mais formal. — Muitos jovens de hoje não se conectam às tradições como no tempo de nossos avós. Confesso que até eu, às vezes, me sinto um pouco distante. Mas as Mulheres de Kimono não são apenas guardiãs da cultura e das tradições de Johto. Nós somos um legado vivo, um elo com o passado que mantém a essência deste país intacta.

— Eba, um museu ambulante. — Luca sorriu de canto, o tom carregado de sarcasmo.

— Vou ignorar esse comentário. — Koume ajeitou o obi do kimono, mantendo o tom calmo, mas com um brilho de reprovação nos olhos. — Me diga, garoto: como seu avô conseguiu algo tão raro?

— Meu avô-drasto é pesquisador. — Luca recostou-se na cadeira. — Ele é bem conhecido, apesar de hoje quase não fazer mais nada além de cuidar da fazenda dele, lá na Rota 30.

— Seu avô seria… Mr. Pokémon? — Koume inclinou a cabeça, surpresa.

Yup. — Luca deu de ombros como se fosse algo trivial, mas Harper ofegou audivelmente.

— Nossa, Luca! — Harper arregalou os olhos. — Seu avô é o Mr. Pokémon?! Como você nunca contou isso?

— Não achei que fosse grande coisa. — Luca deu um sorriso travesso.

Koume sorriu, ainda impressionada.

— Uma de minhas irmãs em kimono, Tamao, levou um ovo para ele estudar um tempinho atrás, deve ter sido exatamente este. — Seus olhos voltaram a se fixar no ovo na incubadora. — Meu Ho-Oh, que responsabilidade você tem em mãos, garoto.

Luca deu de ombros mais uma vez.

— É só um ovo. Vai nascer um Pokémon bebê, então meio que é só cuidar dele, isso já é uma baita duma responsabilidade.

— Não, não é só isso. — Koume abaixou-se na altura da incubadora, sua voz tornando-se mais grave. O Glaceon ao seu lado farejava o ovo com cuidado, como se também sentisse algo especial sobre ele. — Se o que seu avô diz é verdade, você está trazendo ao mundo algo que não vemos há gerações. Pense bem: quantos treinadores em Johto, ou no mundo, teriam a oportunidade de cuidar de uma vida tão rara?

Luca desviou o olhar, dessa vez sem sarcasmo. Ele olhou para o ovo, os padrões geométricos azuis e vermelhos brilhando suavemente sob a luz do café. Harper o observava com expectativa, esperando por alguma resposta.

Luca respirou fundo e deu um pequeno sorriso, estufando o peito.

— Acho que é um privilégio cuidar disso, né?

Koume sorriu de volta, satisfeita.

— Muito. — Ela se levantou com elegância. — Cuide bem dessa vida, jovem Luca. Você ainda não sabe o quão importante isso pode ser, não apenas para você, mas para todos nós.

Com um último aceno, Koume e seu Glaceon deixaram o café, movendo-se como se flutuassem. Por um momento, Luca e Harper ficaram em silêncio, olhando para o ovo na incubadora.

— Ei, Harper. — Luca quebrou o silêncio, dando um sorriso. — Acho que vou gostar de cuidar desse ovo. Quero ver quem nasce daqui.





Ren
Estação de trem de Violet, Johto

O coração de Ren parecia que iria saltar do peito. Ele iria encontrar Min ali na estação de trem. Ele tinha chamado Lyra para acompanhar ele já que se ele fosse sozinho talvez ele iria acabar se embananando todo na frente do idol, ainda mais sabendo que ele iria entregar o mangá boys’ love que ele havia pego. Com Lyra perto talvez, só talvez, ficaria mais fácil de ele poder entregar o mangá e bem, ele havia convidado Ren para um date como amigos. Lyra também era amiga, não é? Por que ela também não poderia vir?

— Ele está demorando, não acha? — indaga Lyra que segurava Meowth em seus braços, o felino ronronava.

— Ele combinou de encontrar aqui bem perto do quiosque — disse Ren, ambos estavam de pé próximo a um quiosque ali na estação de trem de Violet que naquele dia não estava tão movimentada assim. — Seria melhor ficarmos aqui e esperar por ele, né?

Lyra assente com a cabeça. Ren ergueu o pescoço e virou-o para todos os lados procurando pela figura de Min, não havia como perdê-lo de vista, ele tinha a altura de um jogador de basquete com seus 1,90 de altura, seria impossível não conseguir vê-lo até que, ao longe, ele conseguiu distinguir a silhueta do idol que estava até que bem disfarçado com um bucket hat, óculos escuros e uma máscara.

Quando Min o avistou, ergueu a mão e acenou de forma tão entusiasmada que chamou a atenção de algumas pessoas ao redor.

— Ren-chan! — chamou, a voz carregada de animação correndo até ele. — Ren-chan! Que bom que está aqui. Eu trouxe o mangá.

Ele levantou o mangá para cima e Ren ruborizou violentamente, sentindo as bochechas arderem em brasa. Nem para ter colocado-o em uma sacola como alguém decente faria, mas não, ele havia exposto-o ao ar livre para que todos pudessem ver a capa obscena do boys’ love.

— Min! — ele arregalou os olhos e abaixou o braço do idol com certo esforço. — Não fica balançando essa coisa aos quatro ventos. Por que não pôs numa sacola escura? E se alguém visse? Meu Ho-Oh…

— Poxa, Ren-chan, é só um mangá, não é algo tóxico e de risco à saúde — ele riu.

Lyra riu também.

— Bem, eu não exporia ao público assim — disse ela. — Mas não mentiu sobre ser tóxico.

— Ei! — ralha Ren. — É a única coisa que eu leio.

Ren inflou as bochechas coradas. Min riu.

— Vejo que trouxe a Laura também — ele virou-se e olhou para a garota. — É tão bom ver meus dois fãs número um aqui.

— Meu nome é Lyra… — corrigiu ela de imediato, um leve rosado subiu à face dela.

— Isso! — Min riu, passando a mão pelo cabelo por baixo do chapéu. — Sempre confundo nomes, foi mal! Mas e aí, como estão? Tudo tranquilo?

Ren tentou responder, mas as palavras simplesmente não saíam. Sua garganta parecia seca, o coração batendo rápido demais. Ao seu lado, Lyra tinha uma expressão similar, embora estivesse tentando disfarçar, suas sardas entregavam o rubor intenso que tomava conta de suas bochechas.

Min inclinou a cabeça, olhando de um para o outro com um sorriso divertido.

— O que foi? — perguntou ele, brincalhão. — O Meowth comeu suas línguas?

— Na-na-não… — Ren gaguejou, tentando recuperar o controle. — É que… eu não acreditava que você realmente viria. Quer dizer, de Goldenrod até Violet só pra devolver um… um mangá…

Min deu de ombros, como se tivesse vindo apenas da esquina.

— Claro que viria! Eu tinha que devolver, ué. Quem sabe quando te veria de novo? E, além disso, o Alyoshka tá na cidade, então aproveitei pra unir o útil ao agradável. Fora que foi divertido fingir que não sou um idol famoso lá no concurso de Cherrygrove. A gente devia fazer isso de novo aqui, só que agora estou bem mais incógnito.

Lyra não conteve uma risada, balançando a cabeça.

— Mais incógnito? Com esse visual, parece que você tá tentando chamar atenção de propósito.

— Você não entende — disse Min, abrindo os braços em um gesto exagerado. — Já viu como minhas fãs reagem quando me reconhecem na rua? Aposto que tem alguma me seguindo agora mesmo, tirando fotos escondidas. É o preço de ser idol, mas, ó, a gente se acostuma.

Antes que Ren pudesse responder, o celular de Lyra começou a tocar, interrompendo a conversa. Ela olhou para a tela e suspirou profundamente, já adivinhando quem era.

— Minha avó… — murmurou, rolando os olhos. — Desculpem, pessoal, preciso atender.

— Quer que a gente espere? — perguntou Min, arqueando uma sobrancelha.

— Não, podem ir. — Lyra fez um gesto tranquilizador, mas seu tom revelava uma pontada de frustração. — Eu só ia segurar vela de qualquer forma.

— Mas você queria tanto vir… — Ren tentou insistir, sentindo-se culpado.

— Tá de boa! — Lyra sorriu, apesar do tom levemente resignado. — Além disso, preciso passar no Centro Pokémon pra verificar meus Pokémon. Também tenho que ver como o Harper está. Ele não é meu irmão, mas se algo acontece com ele, minha tia Mimi e meu pai vão me matar.

Antes que alguém pudesse dizer mais alguma coisa, ela se afastou, já atendendo a ligação e falando com um tom apressado enquanto procurava um lugar mais silencioso.

Agora sozinhos, Ren e Min se entreolharam. Os olhos do garoto focaram no mangá na mão do outro e ele levemente mordeu o lábio inferior, evitando o contato cara-a-cara com o idol.

— Ei, Ren-chan. — A voz de Min o trouxe de volta à realidade. Ele colocou a mão no ombro de Ren o que ele fez ele erguer o rosto e encarar aqueles olhos brilhantes. — Você tá quieto demais. Aconteceu alguma coisa?

— Não, nada… — respondeu Ren automaticamente, embora seu tom traísse sua tentativa de parecer tranquilo.

Min inclinou a cabeça e ajustou os óculos escuros, claramente não convencido.

— Não parece nada. — Ele franziu a testa, com um toque de preocupação na voz. — É por conta do jeito que eu puxei o mangá do nada agora a pouco em público? Eu não sabia que não deveria. Me desculpa. Eu te envergonhei?

Ren sacudiu a cabeça com pressa, as mãos levantadas em sinal de protesto.

— Não é isso! — exclamou, apressado. — Você não fez nada errado. É que…

Ele mordeu o lábio, desviando o olhar para o chão. O peso do momento parecia esmagador, mas ele sabia que não poderia continuar fugindo daquela conversa.

— É que eu… — começou a falar, hesitante. — Por que você me mandou uma mensagem aquele dia tão repentinamente? O que… o que você achou de mim?

— De você? — Min repetiu, com uma expressão de confusão genuína. — O que quer dizer com isso?

Ren respirou fundo, tentando encontrar a coragem que parecia escorrer por seus dedos.

— Tipo… o que você pensou de mim quando pegou o mangá? — Ele olhou para o chão, incapaz de encarar Min diretamente. — Não achou estranho um menino gostar de histórias de romance entre meninos?

Min ficou em silêncio por alguns segundos, como se ponderasse a pergunta. Quando finalmente falou, sua voz soava calma, mas direta.

— No começo, talvez um pouquinho — admitiu ele, com honestidade. — Eu vi seu mangá no chão e dei uma folheada. A história não era o que eu esperava, sabe? Geralmente eu não gosto de ler romances, mas a minha nuna, minha irmã mais velha, tem um monte de shoujos na estante dela, mas então eu vi que eram dois caras e que…

Ren apertou os lábios, sentindo o peito afundar. Ele sabia que era uma resposta genuína, mas ainda assim, parte dele temia o julgamento.

— Eu gostei da história. Foi bem inesperado. Tipo, eu achava que seria que nem os shoujos da minha nuna lá em Celadon — continuou Min, com um sorriso leve surgindo no rosto. — Achei divertida, sabe? No final das contas, não importava muito o tipo de romance, só que era uma boa história. Um dos personagens até me lembra o Aleksey, sabe?

Ren levantou os olhos, surpreso pela simplicidade com que Min lidava com o assunto.

— Você… você realmente gostou? — perguntou, com uma mistura de alívio e descrença.

— Sim! Não sou muito fã de romance, no geral, mas me diverti lendo. — Min deu de ombros, com um ar descontraído. — Aliás, fiquei curioso pra saber mais. Pesquisei umas coisas depois de terminar, mas tem umas partes que não entendi muito bem.

Ren franziu o cenho, intrigado.

— Tipo o quê?

— Tipo… nas notas de fim de página e nos perfis dos personagens tem essas coisas de “uke” e “seme” — disse Min, coçando a nuca com um sorriso meio envergonhado. — Eu achei bem estranho esses termos. Talvez pensei que fosse algo relacionado ao mangá mesmo, mas que você soubesse responder. Uke significa “receber” e seme significa “atacar”, não é? Mas tipo não é nem um mangá de esportes e… 

Ren não conseguiu conter uma risada, o nervosismo aliviado por aquele momento inesperado de leveza.

— Não, não, não é nada disso, seu bobão — ele gargalhou. — É sobre outras coisas. Que bom que você não acabou pegando nenhum dos capítulos picantes ou…

 — Espera, capítulos picantes? — Min arregalou os olhos. — É um romance entre dois caras, como isso… Meu Ho-Oh sagrado! Ren-chan você é…

— Um pervertido… — ele corou de imediato e ficou cabisbaixo. — É isso que você deve estar pensando de mim agora.

Min riu alto o que assustou Ren.

Ha-a-ha, não, não, Ren-chan — disse ele bagunçando os cabelos do garoto com as pontas dos dedos. — Tá bom, talvez um pouquinho. Mas quem que não é um pouco pervertido? Até eu sou um pouco.

— Min!

— Que foi, eu menti? — ele gargalha. — Você fica fofo quando fica corado. Seu rosto todo vermelho igual uma Cheri Berry.

Cheri Berry… — ele olhou nos olhos do idol. — Quê?

— É minha berry favorita, o que me lembra… — ele o encara de volta. — Te prometi um date. Como amigo, claro. Quer ir num café aqui perto? Tem um bolo de Cheri Berry maravilhoso! Eu tô louco pra fugir da dieta comendo alguma coisa extremamente doce.



Dr. Spencer Hale
Ruínas de Alph, Johto
Sexta-feira, 13 de maio


Naquele dia, a equipe de escavação havia feito uma descoberta na seção sul das Ruínas de Alph, bem na região das Vinte e Oito Mansões. Uma câmara escondida havia sido desenterrada, com paredes adornadas por intrincadas gravuras e artefatos que sugeriam mistérios ainda não revelados. O professor Spencer Hale, agora líder do projeto após a aposentadoria do professor Silktree, estava à frente da escavação, observando enquanto sua equipe trabalhava incansavelmente para descobrir mais.

As ruínas do norte que já haviam sido muito estudadas e eram abertas a visitação, abrigavam grandes templos, restos de palácios além do túmulo de uma antiga rainha. Anos de pesquisa ali já haviam proporcionado valiosos vislumbres sobre a civilização antiga que prosperou naquele vale. Equipes de estudiosos continuavam seus trabalhos meticulosos, traduzindo os hieróglifos Unown gravados nas paredes de pedra, na esperança de decifrar os segredos de uma cultura profundamente conectada àqueles estranhos Pokémon.

Mas as ruínas do sul contavam uma história diferente. Eram mais simples, menos ornamentadas e, ainda assim, de alguma forma, mais antigas. Essas ruínas emanavam um ar de mistério, como se guardassem as origens daquela civilização.

— Isso é bastante significativo, — , murmurou Spencer Hale, agachando-se para examinar um fragmento de cerâmica recém-desenterrado. Seu desenho pintado, um padrão de círculos e linhas, talvez, a uma forma primitiva de um glifo Unown. — Isso pode ser anterior às ruínas do norte. Talvez até aponte para uma civilização que existiu muito antes de os templos serem construídos.

Seu assistente se inclinou para olhar mais de perto.

— Quão antiga você acha que é?

Spencer ajustou os óculos, com os olhos fixos no fragmento.

— As ruínas do norte têm cerca de 1.500 anos, mas essas estruturas do sul parecem ainda mais antigas, possivelmente séculos, talvez mais de um milênio. Os artefatos encontrados aqui… — ele gesticulou em direção a um conjunto de estátuas próximas. — São únicos. Algumas parecem figuras humanas, talvez divindades, enquanto outras lembram Pokémon que não reconhecemos. Podem representar mitos ou espécies perdidas na história. Acho que precisarei consultar de mais ajuda da universidade. Talvez eu devesse contatar a Dra. Wehrii ou o pessoal da universidade de Hammerlocke.

Antes que pudesse terminar, um adolescente magricela entrou apressado na sala, segurando um PokéGear. Era Khoury, o novo estagiário da equipe, um voluntário do programa de treinamento e estágio da Goldenrod Tech. Ofegante e com os olhos arregalados, ele parou na frente de Spencer.

— Professor Hale! Professor Hale! — ele arfou. — Você recebeu uma ligação, é sua filha. Ela tentou te ligar cinco vezes, mas eu não consegui te encontrar em lugar nenhum!

A expressão séria de Spencer suavizou-se em um sorriso. Ele pegou o PokéGear de Khoury com um aceno de cabeça.

— Obrigado, Khoury. Eu cuido disso. Pode voltar para o local da escavação.

Aliviado, Khoury assentiu e saiu apressado. Spencer tocou na tela, atendendo à chamada de vídeo. Na outra ponta, apareceu o rosto radiante de uma menina de cinco anos, com cabelos loiros mel e grandes olhos azuis cristalinos que brilhavam, mesmo através da imagem granulada. Ela era idêntica à falecida mãe, Gracia, cuja memória ainda pesava no coração de Spencer.

— Papai! Papai! Papai! — a voz de Molly transbordava entusiasmo. Ela acenava com energia, seu sorriso iluminando a tela.

O coração de Spencer derreteu enquanto ele retribuía o aceno.

— Oiê minha pequena exploradora. Me desculpe por não atender suas ligações. As coisas estão um pouco corridas aqui.

Molly fez bico em falsa indignação.

— Por que você não me atende? — pergunta a filha. — Estou esperando há um tempão! Você encontrou alguma coisa legal? Achou um fóssil?

Spencer riu, contagiado pela energia dela.

— Bem, não foi um fóssil que encontramos, querida. — responde o pai. — Mas descobrimos uma nova seção das ruínas. Talvez eu te mostre algumas das estátuas quando eu voltar para casa.

Os olhos dela se arregalaram de alegria. 

— Promete?

— Prometo, — ele disse, com a voz calorosa e firme. Por um momento, o peso do trabalho parecia desaparecer, substituído pela alegria de sua inocência. — Você está comendo seus legumes? A vovó está cuidando bem de você?

Molly deu uma risadinha.

— Eu comi toda minha cenoura ontem! — exclamou a garota — A vovó disse que estou sendo boazinha.

Spencer sorriu.

— Essa é a minha garota. Continue sendo boazinha para a vovó, tá bom? Vou te ligar de novo em breve.

Quando a ligação terminou, Spencer recostou-se por um instante, o calor do sorriso de Molly ainda cálido em sua mente. Ele guardou o celular no bolso e soltou um longo suspirou, voltando sua atenção para a escavação, ele olhou para um mural logo à frente naquela câmara, havia muitos Unown entalhados nas paredes, mas a linguagem ainda estava incompreensível, mas ele conseguia notar um padrão incomum com dois Unown em específico: um tinha uma antena em formato de gancho que o lembrava de um ponto de interrogação enquanto outro era um bastonete reto, ambos os Unown apresentavam olhos semicerrados, o que parecia incomum naqueles símbolos.




— Que… que estranho — ele comenta. — Talvez devamos investigar mais. Schuyler, contate o Departamento de Arqueo-Paleontologia e Mitologia da Universidade de Goldenrod, por favor, acho que precisarei mais do que a Dra. Wehrii.

— Sim, professor, pode deixar — ele assente e se levanta, espanando a poeira da calça de trabalho, mesmo que em vão.

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